Microconto - Lise



"Continuação de Espelho e Diálogo.
Lise pode ser entendido por quebra de uma molécula orgânica da célula, defervescência gradual de uma doença,destruição de uma molécula. Mas neste contexto seria a quebra de paradigmas em busca de algo maior. "




Uma aglomeração na avenida. Carros em meio a um engarrafamento. Buzinas e gritaria chamavam a atenção dds transeuntes. O Samu já havia chegado e prestava os primeiros socorros. Repórteres de variadas emissoras soteropolitanas tentavam saber o estado da vítima. A novela teve sua exibição interrompida para a entrada de um furo.



"Estamos aqui no cruzamento da Avenida Vasco da Gama com o viaduto que dá acesso ao Dique do Tororó e acaba de ocorrer um acidente automobilistico. Um Renault prata invadiu o passeio batendo em um poste de iluminação. O Samu já está no local e tudo indica que a vítima, uma mulher, esteja em estado grave. A mulher que teve a identidade revelada por um dos policiais se chama Soraya Cardoso Lopes, 29 anos, era a motorista. Segundo uma testemunha, estava chovendo muito e a vitima perdeu o controle da direção, subindo no passeio e atingindo o poste em cheio. Os paramédicos do Samu irão levá-la ao Hospital Roberto Santos para uma melhor avaliação. Voltamos a qualquer hora."  



Tatiana, que naquele instante zapeava os canais em busca de algo interessante aos seus olhos, ficou estática. Não acreditava. Trocou rapidamente de roupa e desceu em direção a garagem. Lágrimas vertiam de seus olhos enquanto cenas passavam como um filme em sua cabeça.


Horas antes... 



-Podemos conversar.
-Não vou tomar muito do seu tempo. Só preciso saber porque foges de mim sem que eu nada fizesse para isso. 
-Impressão sua. - Tatiana sustentava a serenidade que não tinha, naquele instante. 
-Não minta, pois posso ver em seus olhos o mesmo que se passam pelos meus quando estou perto de você. - Caminhava em direção a outra. - Sei das borboletas em seu estômago assim como no meu. Seu coração acelera. - Pôs a mão sobre o peito da outra constatando o óbvio. 

A proximidade era perigosa. As bocas entreabertas e convidativas, os olhos mapeando o rosto alheio e o desejo de um beijo cada vez mais intenso. Foi a mais jovem quem quebrou aquela bolha de encanto.

-Você é casada e tem filhos. Tem uma vida estruturada e eu... S
ou só mais uma aventura. - Sorriu sem humor.
-Você me chamando de aventureira? Acha que é fácil para mim, depois de anos reprimindo meu lado bi estar aqui? Na sua sala me declarando a você porque não consigo mais lutar contra o que sinto. Eu só... Não consigo. 

A mulher deixava enfim a máscara de fortaleza ruir e mostrava-se como era verdadeiramente. O silêncio imperava, torturante, naquela sala.

-Estou me divorciando.
-O QUE?
-Anderson saiu de casa, depois de uma ou mais uma discussão e dessa vez não há volta. As crianças,que nem são tão crianças assim, compreenderam. 
-E o que você irá dizer aos teus filhos quando me apresentar? "Olha, ela é amiga da mamãe, mas vai dormir aqui hoje." Já passei pir isso e não quero ser a "causadora" da destruição de um lar. Aguentar desaforos,indiretas e depois de... Sei lá quando, você virar e me dizer que não queria, que ama seu marido e todas essas coisas. Não quero isso para mim.
-Desisto. Você é covarde demais para assumir uma relação comigo.



Saiu batendo a porta. Por sorte, uma senhora saia do elevador e ela desceu no mesmo em direção a saída do prédio. Chorava como não fazia a anos. Desde que se descobrira gostando de uma mulher pela primeira vez. Entrou no carro acelerando. A chuva não dava trégua e o velocimetro cada vez mais alto. Batia no volante com raiva dela e de si mesma por se permitir. Passou o primeiro sinal vermelho, mas dado o avançado da hora era preferível em vista de assaltos que ocorriam na região. Ultrapassou o segundo sinal no cruzamento entre a avenida Vasco da Gama e o Dique dos Orixás.  A pista molhada e oleosa devido a um vazamento de um carro que havia passado antes dela fizeram com que o carro patinasse perdendo o controle. Seu último pensamento foi em seus filhos até que tudo escureceu.



Na recepção do hospital, Tatiana procurava noticias. Havia se apresentado como prima e uma enfermeira a informou que a moça estava no centro cirúrgico. O ex-esposo, que já sabia da paixão de Soraya chegou minutos depois e ao ser informado do estado dela chorou. Ele a amava. Ligou para a babá das crianças contando o que ocorreu e se pôs a rezar. Tatiana andava de um lado para outro na sala de espera, quando um médico surgiu. Deu uma breve explicação sobre a cirurgia, sem falsas esperanças. A moça foi conduzida para um quarto e Tatiana entrou. Uma série de aparelhos conectavam aquele corpo, agora debilitado, à vida. Chorou pela sua covardia em confirmar o que a outra já sabia. Sentou-se próximo a cama e com a voz wmbargada proferiu.



-Me desculpe. Você tinha razão quando descrevia minhas sensações e eu fui tola em negar. Eu... Me encantei por você desde o primeiro dia em que a vi na sala do Amaro. Pensei que não tinha visto ninguém tão... Mas quando soube que você era casada me bateu o desespero de um possível dedo podre. Há tempos mantive um relacionamento com uma hétero casada que dizia me amar, que separaria do marido e eu acreditei. No fim, ela continuou com ele e eu sofri. Fugi muito, não nego. Mas depois de suas palavras e da sinceridade no seu olhar. Eu não podia... Eu... Eu gosto de você como jamais gostei de alguém.


Debruçou-se na cama em prantos. Lhe doía vê-la naquele estado. Estava tão centrada em sua dor que não percebeu que a outra abriu os olhos e lentamente, por conta da dor, aproximou sua mão da cabeleira da outra enquanto proferia quase inaudível.


-Eu também.     

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