A profecia - Nay Rosário



"Quando um milênio completar, aquela que injustamente pagou, enfim, irá retornar. Trará luz e trevas em seu caminho, mas apenas um lado prevalecerá. A criança terá a marca da Deusa Mãe tatuada em seu corpo assim como a sina em sua alma. O sangue será a maldição e também a cura…"



Séculos após a profecia.

- Força, mulher. Esta vindo. - dizia a parteira, uma senhora idosa.
- Aahh! Não aguento mais.


Leila Lancaster Salazar implorava para que aquela agonia parasse e a dor cessasse. Estava em trabalho de parto já havia passado metade de um dia e sua criança demorava a nascer. Seu esposo, Alexsander Salazar a amparava com todo amor que lhe era devoto.


- Só mais um pouco, meu amor.


Assim que a ultima contração veio a mulher gritou tão alto e forte que poderia ser possível ouvi-lo nas colinas perto do vilarejo onde moravam. A criança nascia saudável e com fortes pulmões. A senhora não deixou de reparar que a menina trazia um sinal em formato de meia lua que deixou uma dúvida. Entregou a pequena ao pai e assim que terminou de suturar a jovem, retirou-se silenciosamente.

A senhora seguia pensando no sinal de nascença da menina dos Salazar que nem se deu conta de que passava em frente a casa do velho Salem, o conselheiro da vila. Salem Grimm era descendente direto dos antigos druidas das terras médias. Antes que pensasse em bater na porta ouviu uma voz grave dizer-lhe.


- Entre, mulher.


Com passos incertos, Jezebel adentrou o pequeno local que consistia em uma sala cheia de livros e papeis espalhados pelo chão, uma pequena cozinha e dois cômodos mais ao fundo. Um o dormitório e o outro um quarto de banho. O homem de aparência cansada, tom de pele escurecida pelo sol, os cabelos já brancos e a voz grave e mansa estava sentado em uma poltrona próxima a janela.

- Jezebel, o que a trouxe aqui?
- Nasceu uma criança no condado, com a marca da lua.

O homem levantou em busca do seu calendário e nele estava marcado o dia em que um sosticio ocorreria junto a um eclipse e esse dia havia chegado. A profecia enfim era real. Depois de anos de espera, nasceu.


- Onde?
- Na família Salazar.
- Em breve farei uma visita. Agradeço pelo aviso.


A mulher seguiu para sua casa e o homem foi ter com seus livros uma séria consulta sobre os próximos atos.




Semanas depois.


Alexsander e Leila eram só sorrisos com as visitas e os presentes que a recém- nascida recebia. A sineta da porta tocou anunciando mais uma visita. Todos que ali estavam espantaram-se ao ver o velho sábio com um livro na mão para doar a pequena junto com a recomendação de que ela só poderia ler quando completasse sua vigésima primeira  primavera.


- E qual o nome dela? - o sábio perguntou ao pai enquanto acalentava o bebê em seus braços.
- Mirian. Mirian Lancaster Salazar.
- És especial, jovem Mirian. - segredou- lhe.


Os anos se passaram e a pequena Mirian crescia a olhos vistos assim como seus interesses pela leitura dos livros antigos e aprender a decifrar estrelas. Os pais embora tivessem alguma posse e condições de presentear sua filha única com o que ela desejasse temiam pela vida da jovem.


Após seu nascimento,espalhou-se a noticia de que ela havia recebido a visita do sábio. O que por si só já era algo incomum, mas dizer que uma criança era especial, era o mesmo que anunciar que ela seria alguém importante. E de fato seria.


E por esse motivo todo cuidado com a jovem era pouco. O sábio tinha alguns discípulos e coube a eles cuidarem para que nada acontecesse a Mirian Salazar. Um desses discípulos era Hamish, a guardiã dos segredos de Salem.


Seu cabelo cor de cobre e olhar tão verdejante quanto uma esmeralda, era raro, por isso preferia sempre esconder-se sob um capuz. Assim evitaria olhares e comentários indesejados. Hamish foi encontrada por Salem em uma de suas viagens por terras distantes.


Foi logo após o nascimento de Mirian. Ao passar por um bosque ouviu o choro de criança e ao aproximar-se viu aquele pequeno ser indefeso, coberto apenas por uma grossa manta. Levou consigo e a examinou, por fim decidiu fazer dela sua herdeira passando-lhe todos os ensinamentos.


Enquanto crescia, Hamish era tratada pelos meninos como uma igual até completar treze primaveras e começar os estudos. Com o passar do tempo, tornou-se uma pessoa de difícil acesso. Os poucos homens que tentavam aproximar- se dela eram afugentados. Passava os dias olhando os livros e a noite vigiava o leito de Mirian afim de evitar qualquer visita inesperada. 


Em seu leito de morte, Salem deu-lhe a chave do bau que havia guardado seu ouro e disse-lhe ter orgulho de sua filha. A partir daquele dia, Hamish tornou-se a conselheira do condado já que tal função era hereditária. Mirian quando completou dezesseis primaveras passou a ser cortejada pelos jovens rapazes que ali habitavam. Seus pais tentavam dissuadir a filha a escolher um pretendente, mas esta dizia sempre a mesma frase.


- Abrirei meu presente primeiro.


O que seus pais não suspeitavam era que o coração da jovem batia descompassadamente quando sentia o cheiro de flor silvestre, cheiro esse que apenas uma pessoa tinha. Hamish. Tão doce de ouvir e suave de pronunciar.


Assim o tempo passou e chegou ao pequeno condado a noticia de que alguns homens maus vinham saqueando condados e violando as moças. Logo o conselho se reuniu e os homens montaram um exercito para proteger a cidade. Hamish criou as estrategias e armadilhas graças os ensinamentos de seu mestre. As mulheres e crianças abrigavam-se no grande armazém, cercado por alguns homens e dentro dele Hamish e suas espadas faziam a segurança.


Durante o dia elas podiam andar pelas redondezas sempre acompanhadas de alguns dos moradores e a noite dormiam no armazém sob a vigilância da pequena guerreira.
Aquele dia em especial havia amanhecido nublado e as mulheres preferiram manter-se perto. Hamish estava inquieta, pressentia algo. O cheiro do ar estava diferente e seu mestre havia alertado-a que sempre que o cheiro do ar mudasse algo estava por acontecer.


Mirian sempre que possível tentava ficar perto de seu encanto, pois ali sentia-se protegida. De repente gritos começaram a ser ouvidos e Hamish saiu a tempo de ver homens vestidos em roupas negras com espadas tentando forçar passagem entre os moradores do vilarejo. A discípula entregou uma das espadas a Mirian e pediu que ela protegesse as moças. Uniu-se aos homens na intensa batalha. Alguns dos seus ficaram feridos e muitos dos inimigos também.


Um dos homens arrodeou as árvores e tentou pegar a jovem escolhida que o empurrava e tentava feri-lo com a espada. Hamish enfrentava o líder do bando e acabara de enfiar sua espada na barriga do homem quando ouviu um grito estridente, sua atenção desviada por um segundo e antes do líder do bando negro cair feriu-lhe mortalmente.


Ao ver Hamish desfalecer, Mirian atingiu o biltre matando-o. Correu em direção a ruiva chamando pelas outras moças pra que pudessem vir em seu auxilio. Os saqueadores após ver seu líder morto encerraram as investidas e foram embora carregando o corpo de seu líder. Os homens ajudaram a carregar Hamish para a casa de Salem.


As senhoras tiraram-lhe as vestes para banha-la enquanto esperavam as outras prepararem uma infusão de ervas para a sutura. Mirian estava refulgiada no colo de seu pai em estado de choque. Não acreditava ter matado um homem. Por mais que seu pai tentasse lhe acalmar, ela se negava a compreensão. Tentando tirar o foco da fatalidade, Alexsander deu-lhe o tão esperado presente. A moça endireitou-se e começou a folhear o grosso livro. Logo nas primeiras páginas estava escrito Ravena.


Dias passaram e Hamish ardia em febre e delírio. A ferida era limpa todos os dias e as moças revesavam nos cuidados. Em sua casa, Mirian lia o livro que lhe foi deixado e compreendia enfim os sonhos que tinha com um olhar tão negro quanto a noite seu luar e a estranha marca de nascença que tinha. O porquê de dizerem que ela era uma criança especial. Nas últimas páginas encontrou a profecia sobre seu nascimento e mais embaixo um trecho dizia.


"A luz que procuras reside no fundo das esmeraldas, mas é preciso adiantar-se antes que a luz se apague através da lâmina de Serafim. Uma gota de sangue tem de ser derramado para que a chama reacenda."


Mirian não compreendeu imediatamente o que dizia a profecia. Dormiu sobre o livro e sonhou com Hamish. Seu sorriso contido e jeito sério, o olhar penetrante. Os olhos... Acordou assustada, mas sorrindo. As esmeraldas eram os olhos de Hamish. Saiu ainda no escuro e rapidamente chegou no casebre. Assim que a senhora que ficaria a noite a viu, ficou temerosa.



A jovem pediu sua ajuda para retirar o curativo e abrir a ferida. Mesmo contrariada a senhora assim fez. Mirian desde que começara a ler pedia alguns livros entre eles um livro de orações em um idioma antigo quase inexistente. Pegou um punhal e fez um pequeno talho em sua mão. Deixou que seu sangue caísse em cima do local e viu poucos segundos depois seu encanto abrir as esmeraldas.


A senhorinha mal podia acreditar. As jovens conversavam entre olhares até que Hamish percebeu estar sem sua chamise e corou fortemente. Mirian que até então não havia observado o corpo da outra olhou rapidamente as curvas e os seios de auréolas cor de cobre. Pegou uma manta e cobriu-a. Em poucos instantes todos  sabiam do ocorrido e iam ver.


Semanas após, Hamish já estava a andar normalmente pela vila. Ia em direção a casa da jovem Mirian, agradecer-lhe e quem sabe ganhar um olhar diferente. As moças conversavam na varanda da casa e em determinado momento as mãos esbarraram-se, os dedos cruzaram-se e os olhares disseram o que os lábios não conseguiam. Lentamente um beijo se fez. Os lábios se conheceram, as mãos a principio tímidas exploraram-se e os corações batiam em sincronia. A terceira parte da profecia começara a se cumprir.


"...E delas nascerá o milagre. Uma nova vida irão conceber e o mundo ira conhecer o amor puro e verdadeiro."


Fim

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