Conto - Augustine

 



Augustine - Nay Rosário

 

 

Ela costumava exalar autoconfiança. Alguns até confundiam com arrogância e ela seguia sendo ela mesma. Augustine era uma incógnita daquelas que desperta vontade de desvendar. Os olhos cinzas escondiam sua alma. Os cabelos encaracolados eram teia convidativas para os dedos embrenharem-se. O corpo em um tom de pele só dela que chamava a atenção, principalmente pelo “uniforme” exigido de sua profissão.

Augustine Lyon era a cardiologista chefe no Hospital das Clinicas da cidade. Com prêmios e pesquisas de inovação na área, ela ficou conhecida no meio acadêmico. No ambiente de trabalho, tratava a todos com respeito e cortesia. Com seus pacientes, era atenciosa e procurava ser franca. Em família, era reservada. No meio dos poucos amigos podia soltar-se um pouco mais.

Nada abalava a obsessão dela por controle. Até que em uma saída da rotina conheceu uma jovem que capturou-lhe a atenção. A médica viu-se em meio a encantos. A cada encontro delas no Café das Rosas, Augustine sentia-se nas nuvens. Ao mesmo passo em que seu coração congelado derretia uma camada, ela tentava manter-se no campo da racionalidade que a sua profissão exigia.

Os dias viraram semanas, posteriormente meses e as duas pareciam envoltas em uma aurea de sentimentos bons. Adele, a moça que encantara a médica, pretendia contar a Augustine algo muito importante. Era caso de manutenção da vida. Entretanto, o destino, menino brincalhão, não permitiu essa derradeira conversa.

Adele saía da mercearia quando foi assaltada. Ao tentar recuar, um dos bandidos disparou sua arma atingindo-a no abdome. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência chegou em seguida e levou a moça para o hospital mais próximo; Augustine era a plantonista. A médica desesperou-se ao ver o alvo de seu encanto esvaindo-se lentamente diante de seus olhos. Tudo o que foi possível, foi feito. No entanto, em uma sala fria, na mesa de cirurgia, Adele pereceu.

O bip constante do monitor multiparâmetro tirou a moçado torpor em que se encontrava. E foi ali, naquele instante, que a “doutora” Augustine chorou. Pela primeira vez depois de formada. Era um misto de sensações: tristeza, raiva, desespero, impotência e negação. Uma vida havia sido retirada de si. Por que havia de ter se enamorado se Destino lhe armara uma armadilha traiçoeira?

O funeral foi reservado aos amigos mais próximos. Augustine assustou-se ao descobrir que a jovem era deveras popular e que, absolutamente todos, sabiam da sexualidade da moça. E de sua existência. O ultimo adeus foi pronunciado sob forte chuva e enquanto as pessoas se retiravam, Augustine permaneceu. Inerte. Olhando a foto de sua menina naquele mármore frio. Antes de deixar o local, sussurrou aos céus para que o vento levasse suas palavras até ela.

 

- Pelo tempo que levar, em meu coração sempre haverá o teu lugar.


Comentários