Conto - A Mística - Parte II

 



Capitulo 2 - A dúvida esculhambada versus a certeza pilantra

 

 

 

Quando você foi embora me deixou entregue as traças, aos quatro ventos, aos animais do zoológico onde eu trabalhava e você odiava com tanta força. As duras palavras que me dissestes, da forma que tivestes a coragem de explanar, roubaram-me o chão deixando-me sem reação. Passei dias tentando entender. Noites insones a procura de um porquê. Até que percebi que foste embora por amor. Não por amar outra, mas por não saber o que era amor.

 

M.

 

 

- Você está sendo ridícula. Só acho isso. Onde você quer gravar?

- No escritório, Jéssica. _retirava alguns objetos de sua mesa para colocar o suporte para celular._ Trouxe a cortina de veludo?

- Trouxe, moça dos mistérios. Vem cá, pega essa luminária e coloca aqui do meu lado. A sala precisa estar limpa pra tu gravar. Já sabe qual texto vai mandar?

- Aquele sobre amor e abandono que escrevi depois que Paloma foi embora.

- Digo é nada, viu?! Aquela mulher era baratino puro e você pagando pra ver.

- Okay! Não precisa discorrer sobre o assunto.

- Vergonha que é bom ninguém compra.

 

 

Duas horas e muitas reviradas de olhos de Jéssica depois, finalizaram a gravação. Jéssica havia feito um curso de edição de video e deu um tapa para que ficasse apresentável aos olhos das tantas pessoas que iriam assistir e votar. Com muito choro e apreensão, viu o download do vídeo concluído e enviou. Recebe o agradecimento personalizado da Cátia Severo e passou o fim de semana desfrutando das loucuras de sua amiga. A segunda-feira chegou com exibição dos vídeos enviados, incluindo o de Júlia, que fez uso dos efeitos visuais de contrastes entre luz e sombras para manter oculta sua face.

 

Na quarta-feira, devido as reuniões escolares e plantão pedagógico, mal acessou a internet. Ao fim de um dia estupidamente desgastante, atendeu, já instalada em seu HB20, a insistente ex-ficante, Suellem.

 

- Tem cinco minutos.

- Eu vi seu video no L3. Não cansa de viver a margem ou se esgueirando. Essa era uma excelente oportunidade para você se mostrar.

- Era só isso? Não tenho interesse.

 

Um apito anunciou uma chamada em espera e sorriu com o fato de que, todas as vezes que Suellem ligava, Jéssica misteriosamente aparecia. Talvez fossem os deuses lhe ajudando. Atendeu e, a principio, não compreendeu a enxurrada de informações.

 

-Calma, mulher! Vá devagar, na moral. Repita aí? O que aconteceu pra voce ficar essa afobação?

-Sua musa mandou um vídeo pro concurso.

- O QUE?

 

Nem bem a oura explicou e teve a ligação interrompida. Acessou o site e... De seus olhos lia-se a surpresa aliada a incredulidade. Aumentou o volume. Impressionou-se com o ambiente em que a outra filmava. Uma sala branca com estantes de livros e uma janela para iluminar o espaço. A chuva ao fundo e o piano tocado por ela era tranquilizador. Quando as palavras começaram a pular dos lábios de Dan Portela, a mulher que balançava sua frágil estrutura, Júia paralisou.

 

Nessas mal traçadas linhas registro por ti meu bem querer.
Um segredo em baú guardado 
De bocas maledicentes e perspicazes audições. 

 Um encanto proibido aos olhos do mundo 
Pecado dito por Deus
Que em meu seio ressona.

Desejos como o de banhar-me na chuva e em ti.
Sentir a tez de sua derme transpirando gotas de excitação,
Molhar-me nos fluidos teus enquanto mergulho em ti; oceano.

Voto de silêncio entre a pena e o papiro 
Isentando-a de eventuais culpabilidades que lhe tentem acarretar.
 
Se por ventura souberes dessas estranhas sensações e anseios que em mim reside
 Não te amedrontes, tampouco afaste-se, pois sua ausência doeria mais que esta presença
Perto de te olhares
Distante de tocares.

 


Comentários