Conto - A Mística

 


Sinopse:  

 

Quem nunca experimentou as máscaras que a vida lhes apresenta? Júlia faz uso de algumas , talvez, desvencilhar-se de, ao menos, uma, possa ser mais complexo do que se pensa. Sobretudo quando um coração que já foi muito magoado no centro do seu zelo.

 

 

Capitulo 1 - A Demanda

 

 

- É isto, pessoal. Estou ansiosa aguardando as inscrições e produções de vocês. "Que comecem os jogos!" Aí que delícia! Eu sempre quis dizer isso. Xêro, amores.

 

 

Fim de Transmissão.  

 

 

Era a terceira vez que Júlia assistia o recadinho de Cátia Severo, a criadora do site LiteraGays Lendo Livros, a única plataforma toda pensada e voltada para o público LGBTQIAP. Da parte informativa sobre a situação  LGBT+ no mundo ao entretenimento. Claro que com um chat a parte para quem busca conhecer pessoas.

 

Uma vez por ano, a Cátia lança um concurso audiovisual com premiações. O vencedor ganha um final de semana em um chalé romântico, a segunda colocação ganha um notebook e o terceiro lugar ganha um super kit com livros, CDs e DVDs de filmes e cantores LGBTs.

 

Embora desejasse ganhar alguns dos prêmios, ela tinha como empecilho a timidez extrema. Com uma escrita fluida e traços marcantes de uma leitora voraz, Júlia era detentora de uma coluna especial no LiteraGay sendo a única usuária de pseudônimo.

 

Fora das redes, Júlia Castro Sampaio era professora de História para dez turmas de estudantes do Ensino Médio. É única mulher em meio a cinco homens de sexualidades diversas. Nascida na periferia de Salvador, ela soube desde cedo que se sonhasse em conquistar algo teria que correr atrás.

 

Encerrou o expediente, despediu-se dos colegas mais chegados e ligou para Jéssica, uma peguete de fins de semana sem compromisso. Se conheceram em um evento no Parque da Cidade e desde então, quando queriam um sexo casual sem promessas futuras, era só contactar via aplicativos. Após diversas desilusões,  chegaram a conclusão de que relacionamentos não haviam sido feitos para elas.

 

 

- E aí, bê? Por onde anda? - perguntou após conectar o telefone ao bluetooth do carro - Quero te ver hoje.

- No trabalho, Júlia. Vou largar daqui a pouco. Aliás, que ideia é essa de "bê"?

- Pra você ver o quão ridículo é. Queria conversar contigo sobre o concurso do L3.

- Vai finalmente sair da moita? Há anos você conquista corações com suas palavras.

- Não sei se quero perder minha liberdade. Vou passar e te pego.

- Aí, credo! Quero. Só vem!

 

 

Falaram algumas trivialidades enquanto a professora deixava para trás o Garcia através da rua Prediliano Pita e pegava a Avenida Garibaldi. O hotel onde Jessica trabalhava ficava atrás da rodoviária da cidade. Era simples e a maioria dos hóspedes eram passageiros que viajavam de madrugada. Raramente apareciam casais solicitando suítes para outros fíns que não o de descansar.

 

Fez uma parada no mercado para abastecer os armários. Se tudo saísse como planejou, não teriam tempo. Duas seções não poderiam ficar de fora do tour: os salgados e os destilados. Ao sair, já estava escuro devido aos dias mais curtos,  típicos do inverno. No chão, poças de água indicavam que havia chovido. O celular vibrou no bolso da calça de linho que usava, no visor o nome de Jessica piscava junto ao ícone do aplicativo de mensagens.

 

Em menos de cinco minutos, se encontrava na entrada do beco onde ficava o hotel. Viu a amiga tentando se desvencilhar de um homem e buzinou, chamando atenção pra si.

 

 

- Esse cara continua no seu pé? - indagou assim que a mulher negra sentou no banco do carro.

- Infelizmente! O gerente é outro escroto que não fará nada.

- Faz um B.O. e cai fora daí.

- É... Passou da hora já. Mas vamos falar de você. E aí, vai se inscrever?

- Nada! Não é pra mim não. Tem tanta gente foda lá que eu nem seria vista.

- Duvido!

- Olhe... Pelo que soube tem a Antônia Rodriguez, Daniela Winchester, Tarsilha de Camargo, Rosa Silveira e até a Adriana Garcia já confirmaram. Não. Tenho. Chance.

- Tá! Nenhuma delas tem uma coluna, tampouco acesso fácil a Cátia. Sabe o que eu acho?

- Senta que lá vem teoria.

- É sério! Eu acho que você está com medo de se lançar ao sol e acabar cruzando com um certo alguém que faz seu coração bater.

- Que nada. Só... quero preservar minha imagem.

- Tá certo. E eu sou Alice.


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