Arranjo - Capitulo IX



Fomos todo o caminho em silêncio. Helena prestava atenção no trânsito e, às vezes, olhava-me pelo canto do olho tentando disfarçar. Eu admirava o caminho sentindo a intensidade da sua energia sobre mim. Minha cabeça estava um emaranhado de nós e tal conflito era refletido em meu olhar.

Cansada do silêncio perturbador que havia se instalado no ambiente, ela ligou o rádio e a canção que tocava me trouxe adormecidas lembranças.


- "Sorri quando a dor te torturar. E a saudade atormentar. Os teus dias tristonhos vazios..."


As ruas iam passando. Ou éramos nós quem passava pelas esquinas onde algumas pessoas estavam paradas. Sozinhas ou acompanhadas. Entretive-me de tal maneira que só fui despertada ao escutar um "chegamos".

O carro de Katrina estava parado à porta. Respirei fundo algumas vezes antes de tentar soltar o cinto com a mão esquerda e ser impedida por um gesso e um imobilizador. Helena lendo a frustração em minha expressão veio em meu auxilio.

- Obrigada! __ Agradeci ao me sentir livre.

Três degraus nos separavam da porta em madeira negra. Olhei para cima em uma última oração. A da serenidade talvez. Subimos. Ela destrancou a porta e pude ver uma enorme fotografia em preto e branco da Katrina quando jovem em sua moto de estimação. O choque foi inevitável, a compostura impecável.

- Devido ao seu estado, convidei Dominick para passar o período de recuperação aqui.

Ela disse assim. Sem suavidade, sem rodeios. E embora eu tenha aceito depois de um quase embate, ver a expressão quase apavorada da ex dela foi, no mínimo, divertida. Helena me conduziu a um quarto enquanto segurava minha mala a colocando em cima da cama. Naquele momento deu-me um estalo. Banho! Ela teria de me auxiliar.

- O médico explicou que você não pode molhar o gesso, certo?! __ Estava mais para uma tentativa dela se convencer do que me oferecer, de fato, auxílio.
- Sim... E suponho que é nessa hora que você me ajuda a tirar a roupa e banhar-me.
- É... É!

Minha vontade de rir era imensa. Comecei a desabotoar o short e ela soltou a alça da tipoia para me dar um pouco, quase nada, de mobilidade. Em seguida, suspendeu a bata que usava e desabotoou o sutiã. Eu estava de costas para ela, mas sentia seu olhar sobre mim. Era estranho saber que a pessoa que está com a "sua pessoa" faz, nesse momento, uma avaliação do seu corpo.

- Sabedoria... __ Ela sussurrou enquanto contornava com os dedos a tatuagem que havia em mim. - Tem muito tempo?
- Alguns anos. __ Aquele toque arrepiou-me. - Vou ao banho.
- Ahn... Okay! Precisando de algo...

Adentrei o banheiro de azulejos brancos e azuis, pia em mármore negro e um espelho imenso. Nas laterais tinham alguns detalhes em prata, assim como outras partes da casa que tinha visto até então. Apoiei o braço na parede e molhei o corpo com a ducha. Gelada! A água estava gelada. Chamando quem quer que estivesse em um mundo de devaneios para a cruel realidade.


-"(...) Sorri quando o sol perder a luz e sentires uma cruz nos teus ombros cansados doridos..."


Calmamente enxuguei-me e vesti um roupão disponível ali. Quando abri a porta do banheiro, Helena já me aguardava com uma bandeja. Um pequeno lanche para tomar os analgésicos. Bebi o suco com alguns pedaços de bolo. Nunca gostei de excessos, principalmente alimentícios. Ao terminar, agradeci e sorri ao ser, cuidadosamente, posta na cama.

- Meu quarto fica ao lado. Não hesite em me pedir algo.
- Tudo bem... Obrigada.
- ... __ Ela me olhou um tempo, após aquiescer. - Boa noite! - Saiu fechando a porta.

-"Sorri vai mentindo a sua dor. E ao notar que tu sorris. Todo mundo irá supor. Que és feliz."
Notas finais:

Crédito musical:
Djavan – Sorri

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