Vida sem Glamour - Relato de um Jovem Trans - Parte II

 

Parte II


"ADULTO


Com 20 anos, isso em 2016 passei na universidade federal em um curso de engenharia. Já estava alguns anos tentando passar em concursos das forças armadas, pois eu amo a área militar, mas não conseguir, meu foco era o ITA e IME. Em novembro de 2016 em uma madrugada mexendo pelo YouTube apareceu na tela do meu notebook um vídeo, eu simplesmente apertei para assistir, quando eu estava assistindo comecei a chorar, pois já sabia quem eu realmente sou. O vídeo era do “Ariel Modara”, ele no vídeo descreveu tudo o que um homem “transgenero” passava desde criança, cada palavra e frase que ele falava batia com tudo o que sempre sentir e passei, como em sempre se olhar no espelho ou bater fotos é apenas não se reconhecer e ver “uma estranha” entre várias outras coisas que batia. O vídeo dele que vi nesse tempo nunca mas encontrei pelo canal dele no YouTuber, era o único vídeo que contava e passava a emoção de como descobrir quem se é de verdade. Sabendo disso eu pesquisei muito sobre e já sabia que a partir daquele momento não poderia fazer mas concurso militar (forças armadas), foi o ultimo ano que fiz e não sabia quando poderia voltar a fazer.

 Em janeiro de 2017, eu já tinha pesquisado muito sobre “transgenero”, descobrir sobre a carteira de nome social e também que tinha um ambulatório que trata sobre o tratamento dos “transgeneros”, isso tudo na minha cidade. No dia do meu aniversário, mas uma vez tive que falar pelo whatsapp com o meu pai e irmão dizendo que eu sou um homem, meu pai tentou compreender, mas o meu irmão sempre percebeu que não tinha uma irmã e sim um irmão, foi algo bom pra ele. Meu pai pediu para eu contar para a minha mãe só em julho quando ele tivesse aqui pela cidade. 

Em março fui tirar a carteira de nome social em uma delegacia da Policia Civil, os dois agentes me trataram super bem e nem ligara pelo meu jeito, pois eu estava com um cabelo muito grande que o comprimento batia na bunda e roupas muito femininas, depois de alguns minutos nesse local fui para o ambulatório todo feliz que tinha tirado a minha carteira de nome social, pois era o único documento que comprovava que eu era um homem. Chegando no ambulatório me perdi e tentei pedir informação dentro do ambulatório, as pessoas pensavam que eu era uma mulher “trans”, isso por estava muito feminino, todo mundo se espantou que eu era um homem. Eu marquei todas as consultas, o lado bom era que as coisas nesse ambulatório sempre são mais rápidas que qualquer outro ambulatório do país e principalmente até alguns hospitais particulares. 

Não me lembro se foi na mesma semana ou na outra que foi a minha primeira consulta que era com a assistente social para explicar tudo, nesse dia tinha alguns homens ”trans” por lá, quando me viram pensaram que eu fosse mulher, quando eu contei que era um homem, eles simplesmente falavam que não tinha como eu ser homem. Eles me julgaram pela minha aparência e jeito, até me espantei, pois para ser homem não precisa entrar no padrão que a sociedade quer colocar. 

Na mesma semana na universidade eu já tinha avisado um amigo que eu sou homem, mas não tinha avisado o resto da minha turma. Eu fui conversar com o coordenado do meu curso para saber se dava para colocar o meu nome na lista de chamada e no site da universidade, pois eu já tinha pesquisado no Canal do YouTube do Ariel Modara que poderia solicitar, o vídeo que eu vi foi do pai dele que é advogado e tinha feito um documento pra ele, até dispobinizou em link, o único vídeo bom que explicava e tinha o documento. Foi esse documento que eu apenas coloquei meu nome e imprimir além de tirar copia da carteira de nome social. Explicando para o coordenado do meu curso ele falou que já sabia de toda situação em relação a “transgenero” e sabia que tinha todo o direito, então ele falou para eu colocar no protocolo todos os documentos que quando chegasse na mesa dele, ele iria assinar, pois pra ele um aluno que realmente quer estudar tem todo o direito de se sentir bem dentro do curso sendo quem realmente é. Ele falou isso, pois a engenharia que faço é tudo misturado em relação as pessoas como sendo gay, lesbica e bi e tem heteros, fora as raças que tem negros e outras, então dentro do curso não existia preconceito ou discriminação e caso tivesse o coordenador reclamava. 

Em 2 dias foi trocado o meu nome para o masculino no site da universidade foi a ir que a turma toda ficou só sabendo na hora da chamada kkkkkk.... Isso espantava os professores e a minha turma ria junto comigo, nós levamos isso na palhaçada. O coordenador não avisou nenhum professor sobre eu ser um homem, por isso a maioria se espantava mas compreendia, percebi que ele não fez isso, pois eu sou um aluno igual a todos e não existe diferença alguma mesmo eu sendo um homem. Nessa semana eu tinha a minha primeira consulta com a psicóloga, ela apenas percebeu o que a maioria percebia que foi que eu era feminino demais e falou sobre, enquanto a gente conversava percebia que eu sou um homem, mas diferente do que ela acompanhava no tratamento, ela aprovou ser minha psicóloga e assim eu poderia me consultar com a endócrina. 

Demorou duas semanas depois para eu me consultar com a endócrina, isso que já estava fazendo um mês que estava no ambulatório, no dia da consulta tinha alguns homens “trans” esperando pela consulta também, mas uma vez outros homens “trans” me questionaram sobre ser homem, falaram na minha cara que a endócrina nunca iria aceitar realizar o tratamento hormonal / terapia hormonal em mim, isso tudo por causa da minha aparência e jeito. Eu tentava me controlando para não bater neles, eu apenas respondia a altura deles, pois para ser homem não depende da aparência ou jeito e sim de quem ser é realmente por dentro. 

A endócrina na consulta percebeu a mesma coisa que a psicóloga tinha percebido, que eu sou um homem, mas só tinha a aparência e jeito feminino. Ela me deu todos os exames que precisava fazer pelo SUS, eu fui no local agendar tudo e iria demorar 6 meses para ser realizado todos os exames, eu resolvi fazer pelo particular todos os exames. Conseguir fazer todos os exames menos de um mês, já estava com eles na mão e marquei a consulta com a endócrina de novo. Nesse tempo já tinha feito tudo durante 1 mês e meio ou 2 meses, voltei com ela e ela me deu as receitas para começar aplicar a testosterona, eu avisei pra ela que só iria começar aplicar em julho, pois seria quando eu iria avisar minha mãe sobre mim, a medica compreendeu só ficou um pouco assustada, pois a maioria dos “trans” logo querem aplicar o medicamento imediatamente e eu sabia esperar. 

Continuei ido para as consultas da psicóloga e os “trans” falando sobre a minha aparência. Como eu tinha grupo de lésbica pelo whatsapp, eu tentava conversar com elas, quando eu explicava sobre mim acabava que a maioria falava que eu era doido e não batia bem da cabeça, elas acabavam me excluindo dos grupos. Naquele momento eu não tinha apoio de ninguém, só era eu no mundo contra todos, comecei a realmente perceber como o mundo é, o preconceito não está só fora da comunidade LGBT e sim dentro também, o preconceito de dentro da comunidade todos esconde, apenas só apontam o dedo para o preconceito de fora. 

Nesse tempo sem ninguém para conversar, apenas os meus amigos da universidade, isso que a maioria são heteros e tem apenas dois gays na minha turma, os gays sempre compreenderam quem eu sou, me dou mais bem com os gays, mesmo eu sendo um homem hetero. Além de que eu todos os dias pensava na escolha que eu fiz em ter adiado o sonho de ser militar para poder ser feliz sendo realmente quem sou que é um homem, eu só não sabia quando poderia voltar a fazer concurso, por causa dos hormônios e documentos já estava ciente que seria eliminado em qualquer concurso. Sobre não poder ser militar e por passar por preconceito/discriminação dentro da comunidade LGBT eu só tinha que continuar estudando muito para ser alguém na vida e também em vários momentos eu lia contos lésbicos que faziam eu me distrair de todos os problemas. 

Em um grupo do facebook do mesmo site de contos que eu lia, vi uma postagem sobre um grupo no whatsapp se eu me lembro era sobre contos, a postagem era de duas pessoas que seriam importantes pra mim, chamei no bate papo uma das duas e conversei com elas e expliquei quem eu sou, eu estava com medo delas fazerem a mesma coisa que eu passava que era ter preconceito ou discriminação comigo, mas foi ao contrário, elas me trataram muito bem e me colocaram no grupo. Ao longo dos dias elas perceberam que eu sou um homem bom até que as duas resolveram me adotar como filho de coração e eu as considero minhas mães de coração. Tudo o que eu passei e passo elas sabem, pois sempre contei pra elas, depois de um tempo que descobrir que elas também são escritoras, nunca eu li um conto ou livro delas, pois não queria virar fã delas para não perturbar kkkk...Sempre torço para que uma das duas se case. Eu espero esse momento já tem anos para poder usar terno. 

Chegou em julho e o meu pai ficou enrolando para contar para minha mãe, eu já estava ficando chateado e peguei e fui no salão junto com o meu irmão e cortei o cabelo bem curto, de lá fui para uma festa na casa do meu padrinho, estava a minha mãe e o meu pai lá, a minha mãe quando viu o que eu fiz no cabelo, começou a me criticar muito e eu vim embora para casa, cheguei em casa e minha avó e tia viram, apenas falaram um pouco. Eu me sentir bem nesse dia, pois já poderia não esconder, mas que era um homem, até mesmo sentia bater um vento forte no pescoço por causa do cabelo está curto. O grande livramento naquele dia foi ter cortado o cabelo, os meus amigos e colegas da universidade até gostaram do meu corte a apoiaram. 

Nesse mesmo mês comecei a aplicação no dia 29 de julho de 2017, pois o dia 29 eu queria que fosse o mesmo dia do meu aniversário, pois nascia dia 29 de janeiro.  Eu apliquei o hormônio escondido, pois minha mãe não aceitava que eu aplicasse e criticava demais. Quando eu apliquei deixei de ser “Pré-T”, pois “Pré-T” para os “trans” acaba sendo a pessoa que nunca aplicou hormônio e está iniciando o tratamento. Lembrando que até mesmo com os “Pré-T” os “trans” acabam tendo preconceito/discriminação. 

Durante esse ano todo de 2017 compreendia melhor sobre o mundo e também sabia encarar o mundo do jeito que é, em várias consultas ainda existiam “trans” questionaram deu ser homem, em uma das consultas logo no inicio conheci um homem “trans”, ele era “Pré-T” parecido comigo, os outros “trans” não conversavam direito com ele e ele vivia no canto dele calado, eu percebi isso e fui puxar assunto com ele e viramos amigos. Ele tinha vergonha de falar que gostava de homem, isso pelo fato dele ser um homem, pra mim isso não tinha problema algum, mas para a maioria dos “trans” isso era um problema. Percebendo isso acabou que toda vez que estava eu e ele estava em alguma consulta, eu soltava a franga kkkk...Já que a maioria dos “trans” falavam que eu não era homem e eu não iria deixar o meu amigo passar por isso por simples fato dele ser um homem “trans” que gostava de homem. Quando os “trans” ficavam vendo eu soltando a franga na palhaçada com o meu amigo, o meu amigo achava muita graça e morria de vergonha, todos os “trans” pensavam que eu e o meu amigo fossem gays, eu pegava as vezes e falava que sou homem e não me importo de soltar a franga, pois vou continuar gostando demais de mulheres, pois sou um homem hetero, e que não iria seguir o padrão da sociedade do que deveria ser homem, pois sociedade alguma iria colocar a porcaria de um padrão em mim e que todos eles que seguiam o pensamento da sociedade são preconceituosos, pois deveriam aceitar as pessoas como são. "


PARTE III

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