Nossa Forma de Amar - Capitulo XXV


25 - Sobre Amor e Dor - As Mudanças Principiam-se Pelo Querer.


As luzes centrais apagaram-se e nas laterais do palco luzes arroxeadas acenderam-se causando um efeito de mistério junto as luzes brancas que estavam instaladas ao fundo do auditório. Uma voz feminina, firme e carregada de um sotaque castelhano se fez ecoar pelo ambiente recitando um conhecido poema que falava sobre amores e suas perdas.


A arte de perder não é nenhum mistério,
Tantas coisas contém em si o acidente de perdê-las,
Que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia.
Aceite, austero, a chave perdida,
A hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subsequente da viagem não feita.
Nada disso é serio.
Perdi o relógio de mamãe.
Ah! E nem quero lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas.
E um império que era meu, dois rios e mais um continente.
Tenho saudade deles.
Mas não é nada sério.
-Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada.
Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério.
Por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

BISHOP, Elizabeth – A Arte de Perder


A cada silaba pronunciada o coração de Simone vibrava tal quais as cordas de um violão dedilhado. Ela não sabia dizer o porquê de acontecer, apenas sentia. Lembrou-se de todas as mulheres que antecederam Milena em sua vida e da própria. Os momentos felizes, as brigas, o fim do relacionamento e a fuga dela para São Paulo. Aquele poema condizia com a sua situação com Milena.

A outra refizera sua vida e agora estava com outro amor que parecia ser mais intenso e sentimental do que o que tiveram. Entre elas era atração, era mais paixão que qualquer sentimento mais doce, romântico.

Conhecia os poemas e textos de Elizabeth Bishop e sempre tivera um carinho em especial por este que agora era recitado naquela voz que causava um reboliço em seu ser. Enfim, parecia fazer sentido. Tinha que aceitar que tivera a oportunidade e perdeu.

Mas como desapegar se em seu peito tem uma pequenina voz que insiste em instiga-la? Chegou-se ao ponto de recorrer a esses tais que dizem trazer o amado de volta em determinado tempo se não acreditava nisso? Agora sim compreendia as palavras de Lucimara quando lhe disse que o que ela sentia assemelhava-se a sentimento de posse e orgulho ferido.

Precisava entender e distinguir o que realmente sentia das ilusões causadas por ela mesma. Enquanto a palestrante findava o recital, ela indagava sobre sua identidade. Gostaria de saber quem provocou esse mar de ebulições em seu ser.


-Sei que muchos questiona-se sobre este poema. Há entre ustedes alguém que precisa entender a si. Buenas noches, me chamo Rúbia Garcez e estamos neste plano para evoluirmos e quitar dívidas de vidas passadas.


As luzes acenderam-se e Simone surpreendeu-se ao rever a morena do restaurante. Agora já sabia quem era. Começou a acreditar que o universo realmente conspirava para que certos encontros acontecessem. A cada assunto discorrido ali por ela encantava-se com a forma desenvolta com a qual ela dominava o assunto embora as vezes se embaraçasse com algumas perguntas e as respondesse de forma divertida.

A jornalista fez algumas anotações para a coluna do jornal e outras pessoais. Realmente interessara-se pelo universo e religião espírita e começaria seu aprofundamento pelos livros da espanhola que tanto encantara a garota que estava sentada na fileira atrás da sua. Sorriu ao ouvir alguém perguntando a palestrante se ela era compromissada.


-No. Yo estoy como dizem os jovens, na pista para negócios. – sorriu e piscou para Simone que gelou com aquele gesto e sorriu sem perceber.


Será que era uma abertura para uma aproximação? Ah mulher, tu não esta dando conta de si vai querer se envolver com essa espanhola com a cabeça cheia de duvidas? Se já estivesse meio arrumado até poderia tentar. Ela é encantadora... E sensual. – Pensava.


A palestrante encerrou a noite e sua palestra com uma citação e a recomendação de sempre que possível os assistentes fizessem a Prece de São Francisco de Assis.

-“Dizem que a vida é para quem sabe viver, mas ninguém nasce pronto. A vida é para quem é corajoso suficiente para se arriscar e humilde o bastante para aprender.” Clarice Lispector. Estamos neste plano de passagem, hermosos.

“Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz:
Onde houver ódio que eu leve o amor
Onde houver ofensas que eu leve o perdão
Onde houver discórdia que eu leve a união
Onde houver duvidas que eu leve a fé
Onde houver erros que eu leve a verdade
Onde houver desespero que eu leve esperança
Onde houver tristeza que eu leve a alegria
Onde houver trevas que eu leve a luz.

Oh mestre...
Fazei que eu procure mais consolar que ser consolado
Compreender que ser compreendido
Amar que ser amado.

Pois é dando que se recebe
É perdoando que se é perdoado
E é morrendo que se vive para a vida eterna
Assim seja!”


Foi ovacionada pelas pessoas que estavam no local incluindo os outros palestrantes. Simone permanecia em sua cadeira pensando em tudo que lhe foi dito ali. Sim, aquela palestra em especial havia sido para ela.

Os repórteres dirigiam-se para a sala de imprensa para uma rápida entrevista. Seus colegas fizeram perguntas aos convidados que foram respondidas e devidamente registradas, absteve-se de pronunciar-se e assim que findada foram para a sala organizada para um rápido lanche.

Simone colocou em seu copo apenas um suco de frutas cítricas devido ao clima um pouco quente e foi para a varanda olhar a vista para o jardim interno da mansão. Sua mente recordava de cada palavra e associava a sua vida. Sentiu alguém aproximar-se, mas não estava afim de conversar.


-Rever seus conceitos é um passo para mudanças. – Olharam-se e por instantes perderam-se dentro dos olhares até o encanto ser quebrado por uma frase. – Nos reencontramos, finalmente.


Comentários