Divã de Todos os Santos - Capitulo II




Santa Lourdes, Bahia - 1998

Todos os anos, as moças solteiras da cidade vestiam-se com trajes belíssimos e cada uma delas levava uma flor branca e uma fita, também branca, amarrada na vela que elas acenderiam no altar da igreja para que Santo Antônio lhes concedesse um bom casamento.

Depois de muita insistência, a mãe da jovem Eleonora conseguiu convencer a filha a participar daquele rito. Aquela senhora só não sabia que o coração de sua filha já estava preenchido por um amor impossível e proibido aos olhos do homem e de Deus.

Cândida, era o nome da eleita, de olhar tão doce e gestos delicados. Tão elegante em sua simplicidade. Cresceram juntas e assim, juntas, descobriram o prazer que um simples beijo pode causar. O gosto do mel mais puro e adocicado nos lábios da outra, os arrepios produzidos pelas pontas dos dedos deslizando pelos braços e sensações que ambas não precisavam confessar por saberem que a outra também as sentia.

Não queria um bom partido, um bom noivo ou bom casório. Era de seu desejo continuar a vivenciar todas aquelas maravilhosas sensações que apenas o primeiro amor e suas descobertas tem o dom de despertar. Mas para não contrariar sua mãe.

Quando se aproximava com sua família das portas da basílica, viu seu amor também aproximar-se. as famílias cumprimentaram-se e as jovens aproveitaram o momento para fugir pelos fundos da grande construção. Abraçaram-se com a saudade imensa de quem a muitos anos não se viam, mesmo tendo estado juntas um par de horas antes. Trocaram um breve selinho e riram ante a travessura, porém não se demoraram, em vista que poderiam dar por falta delas.

Cada família em um extremo da igreja assistiam as palavras do bispo em louvor ao santo antes das donzelas acenderem suas velas. Os olhares trocados entre as garotas davam indícios do que poderia ser pedido por ambas. Assim que o homem proferiu as bênçãos finais, as moças foram para o lugar destinado.

Cada uma com suas cestas, carregando na direção do coração, deveria oferecer a flor para padroeira da cidade e acender a vela em prol do seu desejo. Eleonora desejou poder desfrutar mais vezes daquele envolvimento sem nome, Cândida pediu que os céus a perdoassem pelo que sentia e fazia com sua amiga. E saíram da capela.

Uma terceira pessoa, que vigiava as moças sem que elas desconfiassem, apagou as velas trocando-as pelas que escondia em seu bolso. Desejou que elas jamais fossem felizes juntas. Era sujo e nojento ao seu ver. Só um homem poderia consertá-las e fazer delas mulheres honradas. Saiu sem que ninguém visse seus passos e assim que se viu longe do lugar, quebrou as velas e as atirou a uma longa distância. Seguiu seu rumo.

As jovens continuaram a se ver no riacho às escondidas, tendo o mesmo espectador. Passados alguns dias, o filho de um fazendeiro começou a cortejar a moça Cândida. Todas as vezes que era obrigada a presenciar tais encontros, Eleonora sentia-se triste, embora a outra lhe jurasse que nada sentia pelo rapaz.

A mãe de Cândida adoeceu causando preocupação ao marido e a jovem. E ela, sabendo que seu esposo não queria apressar o casamento da filha, ao contrário dela mesma, fez a filha prometer que se ela melhorasse, casaria o mais breve possível. Mesmo relutante por fazer tal juramento, fez o que lhe foi pedido. Semanas depois, como que por milagre, a mulher apresentou um quadro espantoso de melhora e o noivado foi realizado com festa.

Eleonora sorria para os conhecidos e familiares enquanto vislumbrava sua amada dançar com o futuro esposo, mas sua vontade era de chorar, gritar e enlouquecer por saber que aqueles lábios que tanto beijara não mais seriam seus. Aqueles toques... Aquelas mãos... Aquele olhar que emanava doçura... Não entendia porque os santos eram tão cruéis com elas. Se amar era pecado por que deixaram florescer no coração delas? Por que não o arrancou como as ervas daninhas que costumavam nascer entre as flores?

Deu graças quando seus pais decidiram ir embora. Pediu um momento para despedir-se de sua amiga com um abraço apertado, daqueles que damos apenas quando faremos uma longa viagem. Saíram da casa ainda comentando sobre a noite, Eleonora olhava para trás e lembranças passavam diante dos seus olhos, despedia-se ali do seu amor e jurava não mais entregar-se novamente a esse sentimento que muito a machucou.


O amor é tão gostoso de sentir por entre o corpo
Tanto quanto as pétalas de uma flor ao desabrochar
Quando correspondido em toda sua essência
Traz felicidade e a sensação de alivio.

Não importa se é homem ou mulher
O que vale mesmo é vivê-lo sem pressa
Na promessa de amá-la e respeitá-lo
Na alegria da natureza
Na saúde do sentimento
E na tristeza de quem inveja
Por não poder viver aquele amor que no outro faz festa.

Versos de uma Nordestina 

Comentários