Romance - (Des)Encontros Amorosos - 10

 


10. Bandeira branca



Voltamos para casa na capital após o enterro. Enquanto olhava a paisagem, meus pensamentos me guiavam a momentos da infância e flashs da missa de corpo presente.  Voltavam a nossa despedida no quarto do hospital e... Eu só queria que as cenas parassem. Uma tempestade de imagens lançadas ininterruptamente. Rose, que normalmente era falante, estava tão introspectiva quanto eu. Chegamos de madrugada. Entrei direto para um banho refrescante e energizado. Quando saí, uma sopa me esperava. Tomei e fui dormir.


Acordei desorientada. Tudo escuro e um enjoo insuportável que me fez correr para o lugar certo antes que eu sujasse ali. Sentei no chão e enfiei a cabeça no vaso sanitário. Vomitei a sopa, a água, as tristezas e angústias. Levantei, com certa dificuldade, e me escorei na pia para lavar o rosto. Olhei aquela figura e não me reconheci. Os olhos profundos de quem não dormia a dias, parecia mais magra. Não estava agradável com aquela visão de mim. Joguei água no rosto e voltei para a cama. O dia amanheceu e eu permanecia estática no meio da cama. Acordada. 


A escola onde trabalhava havia me dado três dias de folga, além dos outros. Inicialmente pensei em aceitar, porém lembrei que Rose ainda estava em processo de finalização do curso e teria que ficar sozinha ali. Voltei a lida. Manhã,  tarde e noite com a cabeça ocupada. As semanas passaram sem que eu percebesse e logo todo ocorrido completou um mês. Certo dia, em sala de aula, quando finalizava uma aula de gramática, senti uma tontura e antes que alcançasse a mesa, desmaiei. 


Acordei na enfermaria do colégio com uma sensação de dormência no corpo. Dona Sidneia, uma senhorinha muito simpática, contou-me que eu havia tido uma queda brusca de pressão devido a falta de nutrientes no corpo e a rotina exaustiva que me impus. Quando contei a Rose, não demorou uma semana e minha consulta com o Clinico Geral no Hospital Escola já estava agendada. 


Deoois de feito todos os exames e o resultado apontar anemia e outras coisas que no momento não recordo, ele fez aquelas perguntas de praxe sobre estresse no trabalho, aborrecimentos em relacionamentos, briga na familia ou algum episódio emocionalmente forte. Eis o X da questão. 


Junto com um receituário e a prescrição de um Nutricionista, estava lá Acompanhamento Psicológico. Eu, assim como muitos, tinha a ideia de que Psicólogo é para pessoas portadoras de sindromes e transtornos mentais mais graves, popular e pejorativamente chamados de malucos. Mais nunca que eu faria isso. Nem comentei com Rose para que ela não me apsrecesse com outra consulta agendada. Mas caí na sandice de falar com a Misteriosa. Obviamente, houve uma discussão acalorada que encerrou com um "só me procure quando mudar essa sua ideia descabida e preconceituosa". 


Sim, senhoras e senhores, passamos algumas semanas sem nos falarmos. Eu, em minha ingenuidade, acreditava que ela não iria cumprir. Pois bem. Já tentou vencer um escorpião orgulhoso?! Okay! Também sou desse signo, mas não tão orgulhosa quanto ela. Talvez um pouco irônica... E debochada. Quando eu não aguentei, liguei. Nada de atender. Mandei mensagens no Facebook e ela visualizava, ignorando minha existência. SMS?! Foram tantos sem resposta. Era a vingança dela por conta da minha teimosia. Nesse interim, Rose se formou e foi visitar os pais lá no interior. Embora Martinha e Gildete fossem boas amigas, eu não me sentia a vontade para estar com elas. Acabei não aceitando os convites. Minha companhia foi a silenciosa e profunda solidão. A essa altura do campeonato, eu já estava profunda e inegavelmente apaixonada pela moça misteriosa e sumida que me cativou e conquistou. 


Maria de Fátima Siqueira Arraes era, e continua sendo, uma mulher firme com um quê de doçura. Depois que ela me deu seu email e passamos a conversar, descobri algumas coisas sobre ela. Havia saído de um casamento falido com um homem que não a valorizava e só queria usar o prestígio que o sobrenome dela tinha nas bandas de cima do Nordeste. 


Promotora de justiça renomada, advoga apenas em causas que lhes pareçam justas, altamente compromissada e apaixonada pela profissão. Ouví-la contar sobre os casos e audiências com o timbre enrouquecido característico dela, o tom baixo e firme. Ai ai! Sim, sou piegas quando se trata dela. Enfim... Em meio a nossas conversas, ela me contou sobre a bissexualidade dela, os namoricos e casinhos enquanto casada, até que tomou a decisão de dar um pé na bunda do chifrudo. 


No auge dos seus 45 anos, aquela galega me enfeitiçou. Mas é como dizem: "Nos menores frascos estão os melhores perfumes. Mas também os piores venenos." Estendi a bandeira branca e aceitei procurar ajuda profissional, afinal era ou começar a me tratar ou perder a mulher da minha vida. Nunca a marchinha de carnaval que minha mãe gostava fez tanto sentido.




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