O Convento - Capitulo V - Acalento
Como todos os anos, nesta data,
Ângela mal conseguia dormir por conta de alguns pesadelos. Revirava-se
em meio aos lençóis, despertando com um nó na garganta e lágrimas nos
olhos. Pegou um pequeno retrato na cabeceira de sua cama onde na imagem
estava sua mãe segurando-a enquanto ainda era um inocente bebê. Essa
fotografia havia sido tirada em uma das quermesses que a igreja promovia
para angariar doações. Alisou a moldura simples de madeira enquanto lágrimas vertiam de seus olhos. A dor da saudade era imensa e nessas
horas fazia-se mais presente.
Levantou-se ainda abraçada ao
retrato e foi em direção a cozinha. Precisava de um copo de água. Àquela
hora da noite, os corredores estavam escuros e sombrios, facilmente
alguém poderia usar o véu da penumbra para ocultar-se. Na cozinha
espaçosa, havia uma mesa de madeira e algumas cadeiras. Acima dessa
mesa, uma bandeja com uma fatia de bolo e um copo de leite morno. Ângela
sabia que só poderia ser coisa da madre. Fez um pequeno lanche e voltou
para seus aposentos.
Ao trancar a porta, observou um
livro encapado em couro e um papel dobrado ao lado. Sentou-se na beirada
da cama com ambos em mãos. Abriu a carta se pondo a lê-la.
Para minha amada filha
Meu
pequeno anjo, decerto já deves ser uma mocinha e não pude acompanhar
seu crescimento como gostaria. Saiba que desde o primeiro instante que
soube de sua existência, fostes amada por mim e pelo seu pai. Sei que
também há essa curiosidade acerca do seu genitor e de como fostes
gerada.
Quando
o conheci, eu era uma jovem da sua idade, ingênua e que pouco sabia da
vida. Seu pai era recém-chegado na cidade e foi enviado com uma missão.
Nos conhecemos na quermesse e houve um encantamento dos dois lados, mas
eu estava prometida a um rapaz, seus avós eram bem tradicionais. E ele
era um jovem padre.
O
nosso amor era pecado aos olhos de Deus e durante todo o tempo que ele
esteve auxiliando o pároco da cidade, mantive-me afastada dos grupos da
igreja dos quais fazia parte. Quando completou os três meses de sua
estadia, houve uma festa em agradecimento pela sua ajuda e despedida.
Eu, no alto de uma atitude impensada, ofertei-lhe um presente especial.
Algumas
semanas após sua partida, comecei a notar pequenos desajustes em mim e
minhas regras tão regulares não vieram. Desesperei-me. Uma única noite
havia gerado um fruto. Seus avós quando descobriram me expulsaram de
casa, mas eu já havia enviado uma carta ao seu pai e ele já havia
conseguido um lugar para mim.
Esse
rancho e o convento na verdade são seus. Era herança de seu pai e ele
nos trouxe para cá e fez toda a documentação o colocando em seu nome.
Também tem umas poucas economias guardadas por Conceição, essa madre
caridosa que nos acolheu como filhas dela e nos manteve sob sua proteção
quando algumas freiras maquinavam ideias inconcebíveis.
Depois
de dois anos de seu nascimento, me vi doente e procurei alguns médicos.
Nenhum conseguiu descobrir o que tenho e desde então fui vivendo como
se fosse meu último dia, mas saiba que sempre olharei por você de onde
quer que eu esteja. Pedi que irmã Ciça te entregasse na idade certa
junto com um livro. Esse livro é um diário e nele você pode escrever
tudo que desejar.
Beijos amorosos de sua mãe.
Maria das Dores Dávila.
A jovem abraçou o papel com tanto
cuidado que podia-se pensar que ela abraçava o corpo da mãe e agora
sabia algo sobre seu pai. Seu coração estava contente. O dia amanhecia
quando a jovem enfim dormiu.
Passava das 7 horas da manhã quando a
madre servia o café com auxílio de algumas noviças e deu falta de sua
pupila. Perguntou a quem aparecia e as respostas eram sempre negativas.
Caminhou até o quarto da jovem e o percebeu trancado. Com a chave mestra
conseguiu entrar e sorriu ao ver a menina ainda a ressonar, abraçada ao
caderno. Tornou a fechar a porta e saiu.
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