Arranjo - Capitulo III



Uma conversa para pôr cada cifra em sua ordem. Mas e quando as notas dão um outro ritmo aquela conotação? Deve-se seguir conforme a canção ditada, solenemente, pelo coração.

III - Melodia do seu Corpo

Elas sentiam que era preciso uma conversa despida de receios, pudores e falsas aparências onde seriam expostos os sentimentos e mágoas. Ao olhar em seu relógio de pulso Dumont, dado por Katrina como presente pela conquista de um prêmio como compositora, deu-se conta do avançado das horas. Convidou a outra para iniciarem "A Conversa" em um local mais apropriado e longe dos ouvidos alheios.

Como ambas estavam de carro, o destino definido era a residência de Helena. O trânsito entre as ruas estava tranquilo, pois o avançar das horas deixavam poucos, quase raríssimos, veículos transeuntes.

Helena dirigia sem pressa seu Renault Captur do ano vigente. Um presente que ela se deu após seu antigo e estimado Opala precisar ser aposentado. O ambiente era preenchido pela Orquestra de Salsa Cubana em um dos concertos instrumentais que ela mais gostava de ouvir em momentos nos quais precisava de serenidade.

Katrina vinha logo atrás em seu Volkswagen New Beetle Preto, e em termos de nervosismo, era o próprio neuroticismo. Ansiou tanto por uma chance real de enfim conversarem sem participantes alcoviteiros e quando a oportunidade chegou, ficou insegura. Em poucos minutos chegaram no bairro tranquilo. Mais uma vez, as lembranças se fizeram presentes.

Helena aguardou que a outra estacionasse na imensa garagem e seguiram pelo pequeno jardim de crisântemos coloridos, que a moça fazia questão de manter bem cuidado. Os olhos húmidos da outra expressaram sua gratidão pelo zelo com as "suas meninas". Ao adentrar a casa, Katrina viu-se vinte anos mais jovem em uma rodovia com sua inseparável Harley Davidson Iron 883 no hall de entrada. Naquela época, deixava os fios loiros dando-lhe um ar rebelde.

-Uma bela fotografia.
-É porque você não conheceu a modelo. Era muito bela. - Helena gracejou.
-Era?!

A sobrancelha esquerda de Katrina arqueava-se naturalmente quando desafiada, e era uma das cenas mais maravilhosas para Helena. Decerto, esse era um dos inúmeros hábitos que não mudaria entre elas independente do passar dos anos.

-O tempo só lhe fez bem. - Foi sincera em sua resposta.

Seguiram para a cozinha. Helena prepararia algo rápido para elas e Katrina já se encontrava em frente a vitrola que a outra mantinha em funcionamento e conservada. Escolheu um disco de vinil aleatório e maravilhou-se ao ouvir um saxofone iniciar uma das canções preferidas do ex-casal. Encostou-se na soleira da porta e ficou a admirar a chef no exercício de seu hobby enquanto cantarolava a canção de tristes, porém reais dizeres.

Não resistiu ao chamado que àquelas lembranças lhe traziam. Abraçou a moça por trás e os corpos deixaram-se embalar naquele delicioso bolero cantado com sentimento por Luís Miguel especialmente para elas. Sussurrava a letra ao pé do ouvido da outra provocando-lhe as conhecidas reações que sabia causar nela. Isso também não havia mudado.

Sentiam-se entorpecidas por aquela atmosfera de romance e sedução. Abraçaram-se colando os corpos. Deixaram que todos os problemas e motivos fossem postos de lado e concentraram-se no momento, na canção, na sensação indescritível de estarem ali. Uma nos braços da outra. Nos cheiros que misturavam-se, nas vozes a cantar de forma deliciosa em um espanhol envolvente.

-Cuando la luz del sol se esté apagando y te sientas cansada de vagar. Piensa que yo por ti estaré esperando. Hasta que tú decidas regresar…


Os olhos entregaram as intenções.  Os lábios entreabertos eram como imãs. O beijo. Esperado. Desejado, saudoso beijo. As mãos tímidas desbravavam os corpos com vagar. Tentando redescobrir, redecorar. As peças do vestuário eram retiradas lentamente dos corpos.

Helena a deitou no gélido chão da cozinha e demorou-se ali, admirando-a. Haviam algumas diferenças de medidas do que sua memória conhecia, mas a verdade era que a outra continuava tão linda quanto seus olhos já haviam visto.

Uma trilha de beijos foi traçada pelas linhas corpóreas. Começando pelo tornozelo, um dos pontos fracos da outra, passando pela perna e joelho. Demorou-se um pouco na coxa e sua parte interna propositalmente. Sentiu o aroma único de fêmea que exalava da sua garota e viu o quão desejado era aquele momento.

Beijou e deu algumas mordidas na barriga. Mordeu os seios, brincou com os biquinhos cor de rosa que estavam rijos de excitação. Beijou e chupou o pescoço deixando marcas e parou quando seus lábios encontraram os lábios dela. Encaixada entre as pernas de Katrina era possível sentiu a humidade aumentar, elevando também seus níveis de excitação. Com todo o carinho e delicadeza, introduziu um dedo na intimidade da outra em uma leve carícia sentindo o corpo abaixo do seu arquear em aprovação.

A partir daquele instante, apenas gemidos e palavras, sejam de incentivo ou desconexas eram pronunciadas. Os corpos suados bailavam em um ritmo próprio dos que amam. O chão, outrora gélido, aquecia gradativamente conforme a temperatura corporal das moças. O ápice do prazer se deu através dos nomes ditos em tonalidade rouca, sucedidos de gemidos de insatisfação ao sentirem a ausência dos dedos em alguns lugares.

Enquanto descansavam, olhavam-se. O silêncio sempre foi confortável. O frio, acolhedor. Sorriram. A sintonia ainda existia. Haviam acabado de comprová-la. O amor e o desejo permaneciam intactos. Helena foi a primeira a levantar e puxou a outra para um abraço. Trocaram selinhos ainda guiadas pela sensação de plenitude que as preenchia.

-Hum. De novo?! - Uma pergunta sugestiva e um sorriso sedutor de Katrina.
-Quem chegar por último...

Antes mesmo que Helena terminasse sua frase, a outra correu em direção ao antigo quarto. Conhecia a ex o suficiente para saber que a madrugada seria longa. E a conversa?! Poderia ser adiada para o amanhecer.

Helena caminhava calmamente. Sentia-se feliz por ter novamente o fruto dos seus sentimentos ambíguos a aguardar-lhe em sua cama, nua, para mais uma sessão de sexo. Ou seria amor?! Por hora, deixaria as indagações para a manhã seguinte. Seu objetivo agora era morrer de prazer nos braços da sua amada. Lembrou-se do trecho de uma das primeiras canções que tocou ao piano para sua, então, namorada. Cantarolando-a em seu ouvido enquanto distribuía pequenos beijos.

-...cuando te vi sabia que era cierto. Este temor de hallarme descubierto. Tu me desnudas con siete razones, me abres el pecho siempre que me colmas de amores, de amores. Eternamente de amores.


Luis Miguel - La Barca 

Haydee Milanes e Omara Portuondo - Yolanda

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