Arranjo - Capitulo V



A desilusão é a quebra da idealização a respeito da pessoa amanda. É um sentimento amargo para quem o digere a duras penas. Dominick passaria por esses estágios. 

V - É Tarde Demais



As lágrimas desciam sem parar e eu já não conseguia ter uma boa visão do trânsito a minha frente. Reduzi a velocidade e fui parando no acostamento. Em meio à tristeza, veio-me um surto raivoso e comecei a esmurrar o volante transferindo para ele toda a culpa da minha letargia.

Eu havia ficado de ir pegar as poucas coisas que restavam na casa de Ingrid. Atravessei a cidade assim que consegui me recompor. Ela morava em um bairro relativamente tranquilo em nossa cidade. Cheguei na portaria do prédio e interfonei.

Pode subir.

Entrei pelos portões com uma sensação estranha em meu peito. Um misto de saudade dos velhos tempos e angústia. O elevador parou no segundo andar. A fachada do apartamento havia mudado. As paredes foram pintadas em azul claro. Plantas ornamentavam o corredor e um aparador havia sido posto ali.

Toquei a campainha e logo foi aberta. Nos olhamos e notei que Ingrid estava diferente. Não só fisicamente, mas seu olhar havia mudado de alguma forma.

- Entra. - Deu espaço para que eu adentrasse.

A sala clean de poucos móveis continuava a mesma. Alguns quadros haviam sido trocados de posição e outros eram novos. Antes que pudesse me demorar em observações, ela se pronunciou.

- Coloquei o resto de suas coisas nessa mala.

Apontou para o canto da porta e só então vi uma mala de couro negro. Sua mala preferida.

- Obrigada. __ Respondi em tom cansado.
- Por que? __ Por uns momentos senti-me confusa com aquela pergunta.
- "Por que" o que?
- Por que terminamos assim? Sem conseguir conversar direito. Sem olhar nos olhos. Apenas... Isso.
- Você me disse para sair da sua vida, pois estava lhe causando mal.
- Não. A mim você não causou mal, e sim a você mesma. Te entregastes demais a uma pessoa que nem soube reconhecer tudo o que você fazia por ela.
- Por favor... __ Minha voz traidora voltou a embargar.
- Agora eu vou falar.

"Você não quis me ouvir. Você não quis saber. Desfez do meu amor..."

- Eu sempre. SEMPRE! Estive aqui para você. Fazia as coisas para agradar-te, cuidei de você em diversos momentos e você NUNCA reconheceu. Mas bastava aquelazinha ligar e tu te transformavas. E não era em algo bom. Tu eras um fantoche. Ou melhor, um step. Alguém para substituir a esposa. O cãozinho adestrado.
- CHEGA! __ Esbravejei. - Também tenho orgulho. Não precisa humilhar.
- Oh não, querida. Estou dizendo a verdade. Quem te humilhava era ela.

"(...) Hoje é você quem está sofrendo, amor..."

Não estava ali para ouvir mais nada. Já bastava a dor da desilusão que eu estava sentindo. Ingrid não precisava chutar um cachorro agonizante. Peguei a mala e abri a porta de seu apartamento pela última vez. Olhei para trás ao ouvir o que foi proferido.

- Esses meses que você passou fora, muitas coisas mudaram incluindo o sentimento que eu tinha por ti. Não posso dizer que não te amo mais, porém entendi que preciso de alguém que seja reciprocidade e esse seu amor cego e desmedido nunca deixaria.

"Você jogou fora o amor que eu te dei. O sonho que sonhei, isso não se faz..."

- Adeus Ingrid. Seja feliz.

Fechei a porta e segui para o elevador. Há sete anos aproximadamente, eu a conheci em um aniversário de amigos. Rolou um beijo e acabamos na cama. Sem planos futuros. Foi bom, curtimos e cada uma seguiu para seu canto. Tempos depois nos reencontramos e novamente amanhecemos o dia na cama. Houveram outros encontros e o tesão falava mais alto. As duas gostavam bastante de sexo.
Entrei no carro e percebi que ameaçava cair um temporal. Dirigia com cautela, pois a pista se tornava escorregadia. Fizemos um acordo que evoluiu para um namoro. Ela sempre soube que meu coração pertencia a outra, mas... Em uma fração de segundos, senti uma batida traseira e o carro derrapar na pista. Não conseguia segurar a direção e vi um clarão antes do impacto.

Raça Negra - É tarde demais.

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