O Amanhã a Deus Pertence - Capitulo III



3 - Pássaros na Alma


Ana havia acabado de chegar em casa depois de uma amostra literária no Centro Cultural de Belém, localizado na Praça do Império. Por mais curta que seja sua carreira como escritora, já tinha um público considerado significante. A suavidade com a qual escrevia seus poemas, mesclando os idiomas falados em sua casa, davam o diferencial que ela buscava.

Depois de tirar o scarpin nude e encostá-lo em um canto da parede, dirigiu-se até sua pequena cozinha, especificamente na adega, em busca de um bom vinho para fazer-lhe companhia. Enquanto abria a garrafa, a campainha tocou. Não estava esperando ninguém para o horário, decidiu verificar quem tocava em sua porta. Ao abri-la uma surpresa em um sobretudo preto e sorriso malicioso.


-Patrícia?! 
-Posso adentrar?
-Sim, por favor. 


Patrícia Arqueiros é uma mulher determinada. Conquista tudo aquilo a que se propõe. E foi assim que conheceu Ana em um sarau no museu de Belém. A beleza da escritora a atraiu de forma inexplicável e enquanto não conseguiu um encontro com aquela mulher, não teve trégua. Elas mantinham um relacionamento aberto e era preferível assim, já que nenhuma das duas gostava de ter sua liberdade ceifada.

Ana voltou para a cozinha sendo seguida de perto pela portuguesa. Abriu o vinho e foi em busca de outra taça. Serviu as duas e entregou uma a outra mulher. Brindaram à noite e bebericaram em uma intensa troca de olhares. Patrícia deixou sua taça no balcão aproximando-se da outra, sem desviar dos olhos verdes, tomou a taça com cuidado depositando-a ao lado da sua. Fez um carinho na nuca da outra com as unhas enquanto os rostos aproximavam-se. Um beijo lento iniciou-se. As mãos se moviam pelos corpos na medida em que o beijo ganhava intensidade.

Sem quebrar o beijo, elas rumaram na direção do quarto. As paredes em tons entre o lilás e o roxo tinham um contraste com a luz da lua. A cama king size ocupava o centro do ambiente. O beijo só foi quebrado quando Ana sentiu suas pernas encostarem na cama. Sentou-se enquanto olhava Patrícia abrir seu sobretudo revelando o belo corpo desnudo. Curvas sinuosas e os seios médios e firmes. Ana arqueou uma sobrancelha em surpresa ante aquela visão. 


-Gostastes da pequena surpresa?
-Adoro suas surpresas. Já vos disse isso.


Puxou-a para seus braços. A noite que começou com seu desejo por um vinho e descanso, terminaria com o dia amanhecendo e horas de um prazeroso sexo sem compromisso de ambas as partes. Esse era o pensamento de Ana enquanto olhava a outra ressonando em seus lençóis. Sentou-se na mesinha do quarto, ligou o notebook e abriu o editor de texto:


Lua cheia de surpresas e sabores
Em formas femininas
Venusianas.

Corpo detentor da magia do feitiço
Sedução dos mortais
Perdição dos tolos que se embriagam em seu ser.

Da pátria lusa
És tu, escultura rara
Guardada fora dos olhos cobiçosos de Portugal.


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Assim que chegou no hostel localizado na Rua de São Julião, Giuliana fez o check-in e foi para o seu quarto. Olhou brevemente a vista da cidade e ligou para sua esposa. Conversaram rapidamente sobre a viagem e a italiana prometeu ligar após o descanso. Ligou também para seus pais. Tomou uma ducha e dormiu ainda de roupão. O cansaço da viagem venceu-lhe.

No dia seguinte, ela acordou sentindo-se revigorada. Em Lisboa eram 7 horas da manhã, constatou ao olhar no visor do celular. Levantou-se e foi em direção ao banheiro da suíte. Fez sua higiene matinal e tomou um banho quente e demorado. Arrumou-se com uma calça jeans azul marinho, uma blusa social feminina branca e uma jaqueta de couro negro. Em seus pés uma bota de couro também negro cano médio. 

Pegou a bolsa com alguns pertences, o aparelho celular e desceu em direção ao pequeno restaurante do hostel. Giuliana era apreciadora de café preto, principalmente quando era feito de forma artesanal. Enquanto saboreava seu desjejum e repassava seu dia, sentiu seu bolso vibrar. Olhou a tela visualizando o nome Gusmão. 


-Giuliana, sou eu, Gusmão. Desculpe-me acordá-la.
-Oi. Já estou acordada a certo tempo.
-Ótimo. Estou a passar em vosso hostel em quinze minutos.
-Estarei na recepção. 
-Até breve.


Umberto Gusmão era um homem de porte atlético, caucasiano, cabelos e olhos castanhos e voz grave. Em 187 centímetros, era uma pessoa amável. Escultor renomado na Europa e convidado a trabalhar e expor suas obras em um importante museu da capital portuguesa. 

A jovem havia chegado na recepção quando sentiu seu ombro sendo tocado por uma mão. Ao virar-se um homem olhava-a de forma séria. 


-Giuliana Vanolli?
-Sim.
-Umberto Gusmão. Encantado em conhecê-la. - cumprimentaram-se com um aperto de mão. 
-Bom finalmente dar um rosto aos e-mails.
-Compreendo. Vamos e no caminho conversamos.


Dirigiram-se a uma praça de táxis que havia ali próximo. Umberto abriu a porta pra a moça em um gesto cordial e cavalheiro. Após a italiana se acomodar, o homem sentou-se e o carro se pôs a andar assim que ele anunciou seu destino.

-Rua Serpa Pinto no centro. Vamos ao Museu Nacional de Arte Contemporânea. 
-Mais conhecido como Museu do Chiado. – Trocaram um breve sorriso.

Durante o trajeto, Umberto explicava um pouco do seu trabalho no museu e sobre suas esculturas. Explicava também sobre a proposta feita a ela para que passasse um tempo em terras lusitanas trocando experiências. Ao descerem do táxi, Giuliana teve sua primeira impressão acerca da construção que descortinava aos seus olhos.

O prédio que aparentava ter três andares era pintado na cor bege. Fachada simples com uma tira de tecido vermelho caindo da sacada onde se lia Museu do Chiado na cor branca. Após passarem pela entrada simplória, os olhos da italiana brilharam ao ver as primeiras salas onde residiam alguns quadros e esculturas.

Era uma mistura arquitetônica onde se viam os arcos e vitrais da idade média aliados às contemporâneas paredes de vidro e aberturas estratégicas permitindo a passagem da luz solar dando outro aspecto àquele ambiente. Seguiram pelos corredores com o jovem curador explanando sobre o local.

-O Museu teve sua inauguração em 1911 e em 1994, foi totalmente reformado. Hoje conta com um acervo com pinturas, desenhos e esculturas de arte portuguesa, com obras do século XIX até os dias de hoje, passando pelos períodos romântico, naturalista e moderna.

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Patrícia despertou com os raios solares invadindo o quarto através da janela de vidro. Virou-se lentamente e encontrou a cama vazia. Levantou-se e encaminhou-se para o banho. Embaixo do chuveiro rememorava a noite e madrugada que tiveram.

Ao sair do banho encontrou um vestido em tonalidade verde claro e um conjunto de lingerie ainda embalado. Vestiu-se e admirou-se em frente ao espelho, gostando do que viu. Preferiu deixar o cabelo solto. O aroma do café despertou seu estômago a fazendo rumar para a cozinha.

Ana terminava de arruma a bancada pra o desjejum. Tinha feito seu suco de laranja e gengibre, bolo, pães e pastéis. Patrícia sorriu ao ver a mulher trajando um short que mal lhe cobria as coxas e uma regata. A negra, ao ver sua convidada, chamou-a com o olhar e sentaram para degustar em um clima agradável.

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