Nossa Forma de Amar - Capitulo XXII


22 - O Plantio É Opcional...

-Para que tanto nervosismo? Tu estas mais do que acostumada a essas palestras e convenções.
-Não sei Augusto. É como se algo importante fosse acontecer. Você deve saber melhor que eu.
-Eu? – seu mentor sorriu. – Minha cara, tu estas apenas a cumprir parte da tua missão.
-Nem vou discutir. Não ganho mesmo. – emburrou-se. Típico gesto de quem é contrariado e pouco gosta dessa situação. Enquanto terminava de repassar suas anotações sua mente vagou para um passado distante.


Em uma cidade espanhola de nome Santander, no ano de 1980 o nascimento de uma menina era aguardado por familiares e amigos. Em um hospital publico na sala da maternidade o parto ocorria de modo esperado até que uma súbita hemorragia ameaçou a vida de mãe e filha.

Inesperadamente um clarão fez-se presente no teto daquela sala. Anjos, arcanjos, querubins e serafins junto a almas bondosas faziam uma corrente de oração pelas jovens. Apenas uma pessoa conseguia ver aquela linda manifestação da proteção e do amor divino. Uma das médicas que ajudava no parto, espírita desde a infância. Médium clarividente.

Após a linda interseção a hemorragia foi estancada e ambas sobreviveram. A médica que presenciou tal milagre ficou emocionada e admirada de ver tal cena. Aquele pequeno ser haveria de ser alguém especial para o plano espiritual.

O crescimento da pequena foi acompanhado por todos os espíritos de luz e alguns, sem luz. Em especial, Kaliel, alguém que em vidas passadas fez muito mal aquela jovem e por tais motivos havia sido impedido de reencarnar por tempo indeterminado até que realmente se arrependesse dos atos realizados e aceitasse a ajuda dos seres de luz.

Para ele, aquela jovem era a culpada de seus infortúnios mal sabendo ele que o único culpado pelo que amargurava era o próprio. Suas ações o condenaram a situação na qual se encontrava. Ele tentou tirar aquela alma do plano terreno antes mesmo de seu nascimento fazendo-se valer de sua adquirida posição entre os espíritos errantes.

Felizmente, Augusto já havia sido designado pelo Ser Supremo para ser mentor da jovem e junto aos seres celestiais mostrou mais uma vez que não há mal que dure tampouco vença as forças do bem. Após fracassar em seu intento, nada lhe restou a não ser ficar a espreita de uma nova oportunidade.

Aos sete anos todas ou pelo menos a grande maioria das crianças adquirem um amigo imaginário. Amigos esses que em verdade são seres designados para proteção dos pequenos. As crianças são seres puros, tem o dom da percepção do que muitos adultos não enxergam ou sentem.

A jovem Rúbia também tinha o seu e conversava com ele todos os dias em baixo de uma macieira que ficava perto de um riacho de águas cristalinas e doces no sitio de sua família. Aquele senhor de aparência calma, sempre vestido em uma túnica branca aparentando seus quarenta anos em idade terrena quando chegava trazia consigo o perfume dos Lírios.

Ele sentava ao seu lado e pacientemente respondia a todas as perguntas que a menina lhe fazia. Ou contava historias de vidas passadas ou algo que ele julgasse importante para ela saber naquele momento da sua pequena existência.

Naquele dia em especial encontrou sua protegida com ar triste e o rosto vermelho de quem havia chorado. Ao sentar ao seu lado ficou em silencio. Sabia o motivo do pranto de sua pupila. Sua avó havia deixado aquele plano horas antes, um dos motivos de seu atraso nos encontros pontuais. Havia ajudado a conduzir a senhora de encontro ao Criador.


- Por que Augusto?
-Porque sua missão aqui acabou. Agora ela vai descansar ajudar outros seres a cumprir a deles.
-Ela vai me esquecer?
-Não. Ela vai olhar e orar por você também.


A menina pareceu convencer-se com aquela explicação, mas a tristeza permanecia em seu semblante. O homem não gostava de ver sentimentos pesados em semblantes pueris como o da pequena. Para distraí-la começou a contar-lhe historias de como era o plano astral. Algo que sempre fascinava a pequena. Em poucos minutos de conversação via-se brilho naqueles olhos.

O homem acompanhou seu desenvolvimento até os doze anos, idade na qual a grande maioria das crianças perde a capacidade de ver e ouvir seus protetores. Os mesmos continuavam a acompanhar e na medida do viável proteger, nesse momento os espíritos sem luz aproveitavam a oportunidade para tentar suas vinganças.

Kaliel vislumbrou uma chance através de um rapaz que assiduamente tentava cortejar a jovem Rúbia, já em seus quinze anos. Ravier, moreno alto, de olhos azuis herdados da parte holandesa de sua família. Jovem estudioso, trabalhador. O genro perfeito era o que aparentava, mas poucos sabiam que este jovem tinha alguns vícios dentre eles o uso de substancias ilícitas e uma forte tendência a violência com suas namoradas.

Embora o jovem fosse do agrado de seus pais, Rúbia não permitia que ele se aproximasse muito dela. Sentia dele uma energia muito forte e pesada. Quando estava para dormir rezava uma oração que Augusto lhe ensinara quando criança para sempre que ela precisasse de auxilio espiritual.

Encontrava-o em seus sonhos e conversava com ele, agora não mais na macieira e sim entre os campos de flores aos quais ele a conduzia. Em uma dessas noites ela contou-lhe sobre o que sentia quando Ravier estava presente e ele aconselhou-a a sempre que estivesse perto da chegada do jovem pedir auxilio e nunca perder a fé.

Nessa noite em especial ele permaneceu em seu quarto junto a outros espíritos que o ajudavam em sua vigília. Estava aproximando um dia terrível, mas nada podia fazer para adiar ou intervir. Estava nas linhas do destino dela que teria de experimentar essa sensação, embora confiante de que ela venceria doía-lhe pensar no sofrimento de sua pupila. A verdade é que havia afeiçoado-se aquela jovem. Sim, afeição. Um sentimento terreno.

No dia seguinte, a jovem despertou com uma sensação de que algo aconteceria. Durante o dia realizou suas tarefas diárias, mas quando o sol estava por despedir-se do sol seus pais a chamaram e comunicaram que o jovem havia pedido permissão para que fossem ao cinema. Seu coração apertou, pediu. Implorou para não ir, mas seus pais estavam irredutíveis. Se dependesse deles, os dois já estariam casados.

A noite avizinhava-se e a jovem orava incansavelmente pedindo ajuda dos céus, anjos e arcanjos. As 20h pontualmente o rapaz chegou dirigindo o veiculo do pai. Seus olhos estavam vermelhos devido ao uso de uma substancia, mas isso passou despercebido aos pais da jovem. Foram ao cinema assistir um filme romântico que estava em cartaz no momento. Na volta ele disse ter uma surpresa para a jovem e dirigiu em direção a um casebre abandonado perto da rua onde a jovem morava.

Desceu do carro e ajudou-a a desembarcar naquele lugar com aspecto de mal assombrado. Entraram e na pequena sala tinha uma mesa pronta para um jantar a dois. Ele a conduziu e começou a servi-la. Embora ele tentasse de todas as formas agrada-la, a jovem desejava que aquele tormento acabasse o mais rápido possível.

Ela não gostava do rapaz, ou melhor, ela não gostava de rapazes e seus pais já haviam percebido alguns sinais. Tentavam a todo custo fazer com que ela namorasse algum jovem. Este já era o quinto que tentavam empurrar para ela.

À medida que o fim do jantar aproximava-se e a jovem dava sinais claros de que nada mais aconteceria, o rapaz ia transformando suas feições. Em um canto escuro da casa uma terceira pessoa sorria ao ver e ler os pensamentos do rapaz. Seus planos seriam concretizados, sua vingança enfim seria realizada. Anos esperando esse momento.

Quando findaram o jantar, Rúbia mencionou o horário que havia sido estipulado por seus pais. O jovem não mais contendo sua fúria e frustração segurou a jovem pelo braço jogando-a em um sofá desbotado. Tentava beija-la a força enquanto ela o repelia. A força do rapaz parecia sobre-humana, para barrar as tentativas da jovem de rechaça-lo amarrou suas mãos e amordaçou-a.

A jovem chorava silenciosamente, dos olhos vertiam lágrimas e em seus pensamentos apenas cabia à oração de proteção. Por um momento o jovem parou, olhou-a e pareceu dar-se conta do que pretendia fazer. Vendo que o rapaz não terminaria seus planos, Kaliel apossou-se daquele ser mentalmente confuso.

Rúbia sentiu uma forte energia negra sobre aquele rapaz. Os olhos dele emanavam ódio, rancor, raiva. Forçou as pernas da jovem para encaixar-se enquanto desabotoava a calça. A ultima coisa que a jovem viu foi um sorriso maligno despontar naquele rosto iluminado pela luz do luar e das velas que estavam acesas.

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