Romance (Des)Encontros Amorosos - 6

 


6. O ódio que nos cerca pode ser maior do que o amor que nos une


Éramos em oito lá em casa. Por ordem de nascimento era Damasceno Filho, Demétrio, Donisval e Dogisval, Darina, Doriana, Dileuza e Donizete. Dentro das possibilidades éramos felizes, mesmo com minhas limitações. Quando a diferença de idade entre os irmãos é de dois anos, dá para uns pegarem partes da infância dos outros. 

Lá em Chapada do Ouro, não tinha muitos casos de gêmeos nascidos em família. Sempre tinha um vizinho ou parente lá em casa para vernos. Dentre os parentes, tia Dalva, uma mulher muito bela em sua simplicidade. O marido era um babaca beberrão e abusivo que sempre que tinha a oportunidade, a humilhava indo ao bordel da cidade.  Dalva tinha três filhos: Humberto Filho, Joedson e Doralice. Esta última tem minha idade. 

A casa da família Eusébio Aleixo, mais conhecidos como meus pais, era um sítio relativamente grande e tinha um rio de águas calmas e fundas onde nos banhávamos e, nesse mesmo rio, Dogisval, então com dez anos, afogou-se em uma noite que ele escapou pela janela. Foi uma perda imensurável e mamãe nunca se recuperou. Ela se tornou mais protetora com suas crias do que o habitual. Saímos do vilarejo e fomos para a cidade mais próxima, por insistência de mamãe para sabermos o porquê de todos aqueles sintomas e dores que eu sentia. Após esse episódio, tia Dalva se tornou mais assídua com seus filhos. 

Por meu nome e o de minha prima serem parecidos, sempre houveram as brincadeiras sobre sermos irmãs. Eu nunca me importei muito, ela odiava absurdamente. Naquela época, não entendia toda a rispidez que ela tinha comigo. Hoje compreendo melhor. Doralice ou Dorinha, como a família chamava, tinha uma dualidade em si. Ao mesmo tempo que ela queria ser mais próxima dos primos sobretudo de mim, tinha medo do que essa proximidade poderia ocasionar. O resultado era a forma quase odiosa com a qual ela me tratava. 

Quando chegou a época da adolescência, Dorinha era a cobiçada pelos meninos e, obviamente, ela se gravava de tal feito. Eu não tinha interesse nos meninos, só queria emagrecer e fiz muita merda para isso. Um divisor de águas na minha relação com a priminha. As vezes, Beto e Joel uma dormir conosco. Dorinha, embora não gostasse de mim, era super amiga de Dara.

Todas prontas para dormir e eu não me sentindo muito bem, desci para fazer um chá. Ao voltar, escutei uma conversa suspeita. 


-Mas é errado eu me sentir assim, Dara. Padre Jacinto me aconselhou e acho que realmente farei isso. Mamãe não irá gostar, mas com o tempo ela aceitará.

-Então você vai para o convento das Carmelitas. Por que não conversa com Dona? Talvez ela possa...

-NÃO! Ela jamais pode saber disso... Dessas... Coisas. É uma aberração. Acabou o assunto. Vamos dormir.


Fiquei encucada. Será que ela também se sentia da mesma forma que eu em relação às moças? Passei a observá-la e percebi que, sempre que ela me achava distraída passava horas me olhando. Eu, meio que, passei a me encantar pelo jeito tranquilo de Dora, quando não vinha me afrontar. 

Certa noite, apos o baile de formatura do Ensino Médio, acabamos quase nos beijando e eu vi desejo naqueles lindos olhos castanhos. Dora me empurrou, brigou, esbravejou e no final disse que me odiava. Nunca mais nos vimos. Eu fui embora pra capital estudar e, quando voltei, Dara me contou da escolha vocacional de nossa prima. 

Quando contei essa passagem a psicóloga, ela me explicou algumas coisas a respeito das teorias Freudianas. A exemplo da Resistência e Recalque que poderiam estar correlacionadas com as normas e regras da sociedade em contraponto aos desejos e quereres mais íntimos. 

Irmã Doralice exerce suas funções religiosas no convento de Chapada do Ouro e, nas poucas vezes que nos encontramos, após meu processo de aceitação e tudo o que isso implica, vi o reflexo do ódio com uma pitada de desejo naquele breve olhar.





 

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