Romance - (Des)Encontros Amorosos -2


2. Tons de Preconceito

Fafy passou os olhos em mim e fez a pergunta mais hilária e rotineira desses últimos tempos sombrios: Minha filha, você sabe que vai cair se continuar sentada nessa bendita janela, com esse maldito notebook? E, obviamente, eu já havia deixado o aparelho de lado, mas é só ela nos ver perto da janela que recomeça.

Veja bem, meu bem. Não é que eu queira provocá-la ou aperriá-la pela visão. Eu, enquanto ser humano pensante, me sinto mais conectada comigo quando estou ao ar livre. Ou tomando aquele maravilhoso café preto e sem açúcar, por favor.

Remexendo no baú das aventuranças, deparei-me com o motivo de uma das minhas tatuagens. Sim! Tenho quatro. Duas sociais, aquelas que "todo mundo" pode ver - vale lembrar que olhar é diferente de tocar. E duas que só a Fafy podem ver e tocar e fazer tudo o que ela quiser. Sorry, people! Deixa eu explicar uma coisinha: eu faço parte da população mais judiada desde que gente é gente neste país chamado Brasil. Sou afrodescendente. Preta mesmo. Ou negra. Por conta de uma das particularidades que me compõe, sofri. Principalmente quando se é criança e não entende porque os coleguinhas de escola não brincam com a gente ou então não as convida para seu aniversário. É muito fod... ruim.

Além do meu tom de pele, eu era baixinha, em relação às outras crianças, e gorda. Na verdade, eu sofria o famoso efeito sanfona. Herança familiar aliado ao hipotireoidismo. Passei muito aperto na infância - sem trocadilhos, por favor. Enfim... Eu era uma criança cheia de limitações. Principalmente cansaço, dores musculares e câimbras. Meus pais eram cheios de cuidados para com minha pessoa e minha cabeça era bem ruinzinha. Criação com algumas melhoras depois de entrar como paciente de um hospital escola, que ia desde pediatra a psicólogo, e fui vivendo como dava.

Na adolescência, por pressões e influências externas, decidi emagrecer por conta própria. Fiz muitas dietas malucas, jejuns e práticas não recomendáveis que começaram a mostrar o resultado que eu queria. Enfim um corpo magro. Eu só não contava que, em uma aula de Educação Física, eu desmaiaria e seria levada para o hospital. Depois de alguns exames constataram que eu estava anemica e desnutrida entre outras coisas. Foi uma bronca daquelas.

Nunca quis uma Barbie, graças a Deus. Em compensação, meu irmão sofria porque os peões de madeira talhados artesanalmente desapareciam e "misteriosamente" apareciam na minha caixinha de brinquedos. Estranho, não?! Não fugi da explicação sobre a primeira tatuagem. Vamos a ela.

Já falei, resumidamente, como deixei de ser mocinha. Pois bem! Virei chacota nas rodas de adolescentes e o pior era que se eu falasse para meus pais, funcionários na casa do infeliz falador, não daria muito certo. Não tínhamos muito para arriscar perder o pouco que tínhamos. Coisas as quais somos obrigados a nos sujeitar por conta das desigualdades sociais desse país cujos governantes são benevolentes. Porra! Prometi não falar de política nessas linhas, mas sendo professora é um pouco difícil.

Quando me formei com excelentes notas em um colégio público, ganhei uma medalha de Nossa Senhora de Fátima. Minha mãe era devota e quase me deu esse nome. Agradeço até hoje a Fatinha pelo quase. Fiz o vestibular massacrante da Federal e PASSEI, CARALHO! Para o curso dos meus sonhos: Letras/Literatura. Minha nota foi tão boa, embora o sistema de pontuação daquela prova seja bizarro, que me garantiu um lugar no Top Cinco. Obrigada Edna, a coordenadora, e Rosângela Garcia, a professora que pontuação quem fizesse massagem nela. Já falei que fiz um curso de massoterapia no Ensino Médio durante as aulas de Geografia?!

Se você pensa que na Universidade serás tratado dignamente, bom... Eu conto ou deixo que descubram?! Foi lá, nesse período conturbado de adaptação com o ambiente e as pessoas, que me apaixonei pela primeira vez. E não deu muito certo por vários fatores: ela era branca e eu não - ela tinha vergonha das amigas nos pegar próximas, ela era veterana e eu não, ela era experiente nas artes sexuais e eu não, ela era namorada de um bobão e eu era outra boba. No final, tínhamos um trabalho sobre Teoria da Literatura e foi um Intensivão de Anatomia Humana. E um chute no traseiro com o discurso do "não posso estragar minha reputação andando com alguém como você". Parei e pensei: Como assim "como eu"? Dei-me conta do quão estúpidas as pessoas podem ser.


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