Manuscrito - Parte Final

Parte Final


Ollie corria o cursor do mouse no arquivo e só encontrava folhas em branco. Não conseguia crer que algum engraçadinho poderia ter lhe pregado uma peça de mau gosto enviando um arquivo incompleto. Irritou-se profundamente. Quando chegou a última folha havia uma curta mensagem.

Pier Sunshine às 11 horas.
Não se atrase.

Seu consciente dizia para ficar em casa, entretanto havia a curiosidade. Que martelava em sua mente impelindo-a a mover-se caso não quisesse chegar atrasada. Tomou um banho rápido enquanto pensava na fisionomia do possível autor. Seria um homem de quarenta anos, barrigudo e solitário ou uma senhorinha de rosto afável?
Pier Sunshine era um restaurante que ficava próximo ao seu local de trabalho. Às vezes, por conta da falta de vontade de pensar em outro lugar, Ollie almoçava por lá. Vestiu um jeans de lavagem escura, botas pretas de cano médio e uma blusa de frio também preta. Prendeu os fios castanhos em um coque mal feito, pegou a bolsa e saiu.
Enquanto andava pelas ruas tinha a impressão de estar sendo observada. As vezes parava e olhava ao redor, mas nada parecia estar fora do lugar. Fiquei tão impressionada com aquele escrito que começo a confundir ficção e realidade.
Ao entrar no restaurante, foi cumprimentada pelo segurança e conduzida a um corredor especial. Alguns garçons passaram por ela e apenas acenavam. Ao chegar em uma espécie de jardim havia uma mesa arrumada para duas pessoas. Sentou-se e aguardou seu convidado bebericando uma taça de Chardonay.
A todo instante ela olhava para a entrada. Na tentativa de passar o tempo e se distrair, passou a olhar o cardápio. Enquanto escolhia entre sua costumeira sopa light e experimentar uma salada com frutos do mar sentiu um par de olhos sobre si.

- Olá, Ollie Klint. Posso me sentar? - A mulher inquiriu com um meio sorriso, puxando a cadeira e acomodando- se.

Aquele cheiro... Aquele tom de voz meio rouco com um leve sotaque... Faziam os sentidos da morena ficar alerta, produziam a sensação de calafrios pelo corpo e o coração batia descompassado. Seu corpo parecia reconhecê-la, mas tinha ciência de que ela lhe era uma completa estranha.
Olhava o jeito delicado e firme com o qual aquela mulher ditava seu pedido ao garçom. Após a saída do rapaz, quando se preparava para despejar sua série de dúvidas, escutou novamente essa voz.

- Ollie, sei todas as possíveis duvidas e perguntas que pairam em sua mente. Tenho conhecimento também de que algumas de minhas palavras poderão lhe soar de forma estranha, mas...

Nessa hora, o garçom trouxe seu Risotto Alla Milanese. Preparado com a cebola frita no azeite, em seguida foi adicionado o arroz, além do vinho, açafrão, manteiga e parmesão. Assim que deu a primeira garfada, maravilhou-se. O rapaz retirou-se.

-... Tudo contido no arquivo que recebestes é verídico. Cada ponto e vírgula é real. E antes que você diga que sou, no mínimo louca, tenho provas.

Retirou de seu bolso um dispositivo que mais parecia uma moeda. O colocou na palma da mão da outra e imediatamente, ele foi absorvido pelo tecido epitelial. Ollie sentiu como se houvesse recebido uma descarga elétrica e viu toda a sua vida passar como um filme acelerado. O dispositivo tornou a aparecer na palma da sua mão e ela o soltou na mesa.

- Okay! Quem é você?  Quem te mandou? Você é uma dessas ilusionistas? Olha... Não gosto desse tipo de brincadeira e se eu descobrir quem foi o...

Antes que terminasse de esbravejar, parou a trajetória de uma flecha explosiva, por entre os dedos, em direção ao seu rosto. Ainda aturdida, sentiu-se arrastada. Sua acompanhante a levava para fora daquele ambiente enquanto eram perseguidas por um pequeno grupo de homens armados. Entraram em um táxi e seguiam enquanto a mulher explicava a Ollie.

- Eles estão atrás de nós porque vim te resgatar.
- Resgatar do que? Não estou em perigo. Nem sei quem é você e se devo acreditar.
-Meu nome é Kira. Kira Amadovich. E antes de arquear sua sobrancelha de maneira incrédula... Chegamos.

Abriu a porta e saiu do automóvel. Ollie se deu conta de que era sua residência. Olhou ao redor pensando encontrar algum conhecido gravando sua troça, mas não havia nada fora da normalidade. Destrancou a porta e entraram. Assim fechou a porta, tomou coragem de fazer a temível pergunta enquanto Kira digitava freneticamente em um aparelho parecido com um smartphone.

- Supondo que, talvez, eu acredite nessa história aí. Como eu vim parar aqui? Como você explica tudo isso?

Apontou a sala e girou em seu próprio eixo. Metaforicamente, a referência era o planeta terra. Sem parar o que fazia, a loira respirou fundo. Procurava a frequência exata do portal que as levaria para o local aonde seus corpos estavam.

- Essa dimensão não é real. Quando as corporações fizeram o cadastramento dos moradores de Anderflix, implantaram um nano chip que permite, entre tantas coisas, criar um ambiente virtual para a pessoa. Como se fosse um sonho.
- Hum! - andou pela sala em direção a varanda. - Assistir seriado em demasia dá nisso.

Ouviram alguém bater a porta. O aparelho de Kira apitou mostrando o tempo necessário para a abertura do portal. Só era preciso aguardar.

- Ollie, abra. Sei que está aí. Preciso lhe falar. Uma mulher muito estranha apareceu lá na empresa a sua procura. Ela diz ser do futuro ou algo assim. Não acredite. Abra a porta para que eu possa te passar os detalhes. - dizia enquanto dava instruções para os homens do alto escalão da Armada Russa se posicionarem no local. - Abra, dear.

Alguns dos homens que estavam com ela colocou um pequeno explosivo na porta. Afastaram-se e após uma rápida contagem regressiva, pedaços de madeira espalharam-se. Quando entraram e vasculharam, não encontraram ninguém. As mulheres haviam escapado pelos fundos.

- A Evellyn arrombou a minha porta. Ela com aquele jeito tão tranquilo e dócil e...

Ollie resmungava enquanto tentava acompanhar os passos de Kira quando sentiu-se esbarrar em algo.

- É aqui. O portão irá se abrir em 10... 9... 8... 7...

De maneira inconsciente, Ollie segurou na mão livre da outra e passou o polegar em seu pulso como uma leve carícia. Sem dar-se conta do quanto aquele simples gesto representava para a outra.

-... 2.. 1...

Um painel holográfico se abriu e caminharam poucos metros até ele quando tiros começaram. Correram em direção a salvação antes que alguma das balas perfurassem seus corpos. Caso isso ocorresse ali, naquela dimensão, elas morreriam.


Krish despertou sem saber direito sua localização. Ergueu o tronco e viu que apenas um lençol a cobria. Na cama ao lado, Kira a contemplava sorrindo ternamente. Acabou a angústia. Sua garota havia retornado para casa.
Examinando o local, Krish observou que estavam em um apartamento localizada em uma área mais isolada do centro da cidade. Quando pensava em perguntar algo, seu pai adentrou o quarto e a abraçou apertado.

- Estou bem, pai. - O homem assentiu e as deixou sozinhas.

A ex-agente da Corporação Cavendish andou até a cama de sua namorada. Soltou o lençol que cobria-lhe a nudez revelando seu corpo e uma cicatriz de perfuração. Descobriu a outra e começou a beijar-lhe o corpo a partir dos pés. Seus lábios subiram pelas pernas, passou pelas coxas, na virilha deixou uma mordida até chegar nos finos lábios. Todos os problemas sumiram. Era apenas elas e os sussurros de prazer. Horas depois, já saciadas e abraçadas em uma rede instalada na varanda, Kira contou-lhe o que aconteceu.

- A capitã Ailen disparou o tiro que lhe acertou aqui. - passou o dedo sobre a cicatriz no abdômen. - Caímos. Ludrick revidou acertando-a na cabeça. Conseguimos escapar com a ajuda de alguns agentes que tem simpatia por ti e trouxemos você para cá. Retiramos a bala e começamos a mapear para saber em qual dimensão haviam te enviado. Te localizei. Enviei o arquivo através do transportador torcendo para que você arriscasse como senha um dos nossos símbolos. - tracejou a lemniscata no braço da outra. - E esperei o dia de nos encontrarmos. Claro que não gostei de saber do seu envolvimento com aquela estranha. - deu tapas na outra.
- Calma, amor. Não era eu. Não era a sua Krish. - segurou o rosto da outra com as duas mãos, olhando nos olhos. - Eu te amo.
- Ich liebe dich auch.

Beijaram-se sob a luz artificial do sol. Os tons tentavam permanecer entre laranja e rosa. Mas elas não ligavam para aquela informação. O que, de fato era relevante, era que estariam sempre seguras. Uma nos braços da outra.  

Fim?!

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