O Amanhã a Deus Pertence - Capitulo XI


11 - Fama e Destruição


Ana estava sentada na área externa da casa de seus pais. Olhava as águas da piscina se agitarem de forma quase imperceptível. Terminava de escrever em sua página na internet sobre o poema vencedor do concurso enquanto uma xícara de chá fazia-lhe companhia. Enviou também o e-mail para a vencedora indicando-lhe alguns detalhes.

Escolhia uma pasta de músicas para reproduzir quando viu uma pasta antiga de fotos. Deu dois cliques abrindo-a. Fotos de aniversários, adolescência, o dia em que recebeu a carta de aceitação da faculdade e fotos dos primeiros anos. Uma foto em especial prendeu seu olhar por mais tempo. Uma morena de olhos cor de mel sorria sentada em seu colo tendo como paisagem o mar.


-Vamos, Deolinda. As meninas estão a esperar. – Ana dizia enquanto apressava-se em direção a mureta do porto.
-Devagar, pois não consigo mais rápido que isto.

Poucos passos depois estavam todos sentados a rir de uma piada contada por um deles quando o foco do assunto torna-se o primeiro livreto escrito por Ana.

-Estaremos todos a te prestigiar a noite. – Andrade disse-lhe.
-Fico feliz por isso. Vais também, Linda? – Perguntou perdendo-se em meio aquele olhar que a puxava.
-Conte com isto.

Deolinda sorriu. Fogos de artificio podiam ser escutados a longas distâncias. Era o coração apaixonadamente disparado da jovem que pela atenção da outra seria capaz de ofertar-lhe um mundo. Saíram do transe ao ouvir os flashes da câmera fotográfica. Fizeram variadas posições e riram a valer. Tiraram algumas fotos em posições divertidas e algumas em pares.

No fim da tarde, Ana e Deolinda seguiram para o pequeno apartamento onde a escritora residia. Conversaram amenidades e arriscaram fazer um pequeno lanche para as duas o que ocasionava alguns toques involuntários de mãos. Nesses momentos elas olhavam-se e sorriam. Um amor tímido florescia. O toque do telefone as tirou daquele torpor.

-Pois não?-Ana, dá-me mais uma chance. Sei que estava fora de mim e peço-lhe desculpas por ter agarrado-te em meio a tantos fotógrafos e...
-Isolda, eu tenho carinho por ti, mas não da forma que desejas. Eu não posso fingir gostar romanticamente de ti quando meu coração está preenchido por outra.
-Eu tinha dúvidas que não mais existem. É Deolinda não é?  Eu as vi em uma cena que dispensava apresentações. Não vais ser feliz com ela.

Encerrou a ligação antes que Ana tivesse a oportunidade de pronunciar-se. A africana sentiu um aperto no peito que julgou ser chateação. As jovens voltaram a conversar como se aquele desagradável incidente não tivesse ocorrido.

Isolda Orleans conheceu Ana em um evento da universidade de História. Logo surgiu a informação de que Ana era uma iniciante na escrita e Isolda quis fazer parte do ciclo da outra. Convenceu um amigo a apresentá-las iniciando assim uma conversa onde muitas das suas intenções eram mascaradas por sorrisos.

No final da noite conseguiu uma foto e um beijo de Ana. No dia seguinte já era sabido que eram namoradas. Algo que Ana logo tratou de esclarecer causando desconforto na portuguesa. Isolda via o status de namorada de uma escritora recém lançada com excelentes olhos, só não contava que Ana tivesse alguém em seu coração.

Passou a segui-la e viu diversas vezes Ana e Deolinda em programas considerados românticos embora as duas negassem. Conseguiu o número telefônico da escritora e desde então passou a ligar fazendo- lhe juras de amor e pedindo uma chance. Aparecia nos locais onde ocorreriam eventos com a presença da escritora e tentava a todo custo passar-se por par da outra. Seu real desejo era a fama.

A noite estava estrelada e Deolinda dirigia em direção ao local do lançamento entre risos e tentativas de cantoria porque Ana a desconcentrava. Estacionaram em frente ao local e amigos já as esperavam. As conversações e autógrafos seguiam animadas embalados por um grupo de Fado.

A certa altura Linda, como os amigos a chamavam, munida de uma coragem que nem ela sabia possuir, convidou Ana para dançarem. Convite aceito e os corpos se uniam revelando segredos que as bocas jamais contariam. Da janela, Isolda confirmava o que sempre suspeitou. Elas estavam apaixonadas. Voltou para seu carro e aguardou.

Horas depois o último cliente saía, despediram-se dos amigos e seguiam para a casa de Deolinda quando um carro começou a persegui-las tentando desestabilizar a direção. Em um instante Ana percebeu Isolda ao volante e temeu por sua vida. As moças estavam tão preocupadas em fugir que não perceberam um outro veículo na direção contrária.

Não houve tempo para nada. Os carros chocaram-se causando um grande impacto. Ana ficou desacordada e Deolinda faleceu na hora. O motorista do outro carro também faleceu. Isolda tentou fugir da polícia, mas foi presa por homicídio e tentativa do mesmo entre outros.

Ana acordou no hospital com os amigos ao seu redor, seus pais haviam sido avisados e em breve chegariam. O mundo da escritora desmoronou ao saber da morte de sua amada. Não mais ouvia os amigos. Em sua mente eram repassados os filmes de quando se conheceram até horas antes do acidente.

Dois dias depois havia recebido alta e foi ao cemitério onde a jovem estava enterrada. Chorou por horas a perda de uma pessoa maravilhosa em sua vida. Companheira, amiga, a mulher que encantou seu ser. Tudo por culpa do que a fama poderia proporcionar. Jurou não deixar que essa fama interferisse novamente em sua vida. A partir daquele dia, apenas seu trabalho seria noticiado. Sem fotos. Seria sua exigência.


-Filha. - Oba'Dayó chamou-a enquanto sentava ao seu lado.
-Bàbá. – Enxugava as lágrimas que molhavam seu rosto.
-Eu sei que sente a falta dela.
-Muitas saudades.

Ana sentou-se no colo do pai como fazia quando criança e permitiu-se chorar. Aliviar toda angústia que guardava em seu coração.

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