O Amanhã a Deus Pertence - Capitulo VIII


8 - Rachaduras

-Magnífico. – Ana olhava encantada o poema que havia chegado na conta criada para o concurso.

Antônio adentrou seu escritório e estranhou a expressão de prazer no rosto de sua escritora.

-Quem é a vítima?
-O quê?
-Essa sua expressão de quem está satisfeito com a noite passada. Deixa-me ver. – Antônio virou a tela do monitor e leu o e-mail que consistia em um poema e sua assinatura. – Fiore notte. Uma bella ragazza.
-Sim. Gostei de ambos. 
-Percebe-se. Mas mudando de assunto. Você se atrasou ontem por quê?
-Fui escolhida para degustação de um novo sabor de chocolates. – Decidiu omitir os detalhes de tal prova.
-Viciada. Mas vim para dizer que finalmente consegui o nome da pintora do quadro. Vou ligar e marcar a reunião e você estará presente.
-Não podes resolver por mim? - Ana tinha pavor a reuniões profissionais. Não sentia-se confortável.
-Poder, eu posso. Mas você irá aceitar tudo que for acordado com ela e não mais irá trocar de ilustrador. Combinado?
-Marque para o turno da tarde. No mais tardar no finzinho do dia.
-Eu sabia que você iria ceder. Vou ligar para a moça. 

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Assim que acordou, Laura viu o computador portátil da sua esposa aberto e ligado. Procurou sinal da mulher pelas redondezas, em vão. Enrolou-se no lençol dirigindo-se à mesa e mexendo no cursor. A caixa de e-mails estava aberta e tinha uma notificação, abriu-o para ler.

Bom dia, Fiore Notte,

Agradeço por enviar-me tão belo poema que certamente foi escrito através dos sentidos sensoriais que da alma exala.

Ana Tayó'Nilè.

Giuliana entrava no quarto em busca de seu laptop, quando parou à porta ao ver a cena que descortinava seus olhos. A administradora, enrolada no lençol no qual horas atrás enroscaram seus corpos nus, sentada em frente ao notebook com expressão raivosa. Aproximou-se depositando um beijo em sua face e perguntou se havia algo errado.

-Além do fato da minha esposa mandar poeminhas românticos para uma mulher que não sou eu? Nada errado.
-Pelo amor de Deus, Laura. Quem te deu o direito, ou melhor, a permissão para mexer em algo meu? Já ouviu falar em privacidade? – Giuliana passou a mão de forma exasperada pela cabeça.
-O note estava ligado e tive curiosidade. – Defendeu-se de forma natural.
-Sei. Depois passará a atender ligações, abrir cartas, responder mensagens em aplicativos. Já passamos por essa fase e me recordo muito bem. Acho que preciso rever seu terapeuta. 

Enquanto vestia-se não percebeu quando Laura levou uma das mãos à nuca estralando os dedos. Era um dos sintomas de nervosismo da jovem. Ainda procurando transparecer a calma que não tinha, a moça enfim pronunciou-se.

-Falarei com doutor Antunes que deseja conversar com ele.
-Antunes? Não era Abreu? -Giuliana reaparece no quarto do casal já vestida.
-Abreu está viajando. Foi convidado por uma universidade a lecionar em sua especialidade por lá, então transferiu todos os pacientes dele para Antunes.
-Ah, sim. Preciso ir. Vou a uma galeria que pretende expor meu trabalho. 
-Sucesso. – Deram um rápido selinho.

Laura relaxou o corpo tensionado ao ver a esposa sair. De fato, seu terapeuta havia ganhado esse convite irrecusável e passado seus pacientes, mas ela não informou que havia recebido alta do médico antes da viagem. 

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Artemisa Galeria. Giuliana lia a placa na entrada de uma casa dos espelhos, que por si só já era uma obra de arte. A dona daquele paraíso da arte contemporânea era Adelina Garcia do Amaral, tinha um leve parentesco com Tarsila do Amaral. Uma das referências mundiais quando se fala em arte brasileira graças à Semana de Arte Moderna que ocorreu na década de 1920. 
A própria Adelina a aguardava na recepção da casa que mais parecia uma dessas casas antigas que tinham em suas paredes retratos da família, peças de louças portuguesas e tantos outros objetos. Era um verdadeiro contraste entre o clássico e o moderno.
Adelina, no auge de seus quarenta e oito anos, não aparentava a idade que tinha. De pele morena, cabelos em tom escuros e cortados acima do pescoço deixando livre a nuca bem desenhada, que liberava uma fragrância própria. O olhar castanho dizia tudo que ela não gostaria de falar e a voz, firme e grave de mulher decidida. 
As duas passaram a manhã conversando sobre a possível exposição da italiana no local e sobre arte, claro. Falaram também da Itália, de onde Adelina havia chegado há poucos dias. Acabaram por almoçar juntas em um restaurante próximo ao local.

-Então, o que me diz da proposta?
-Digo que aceito.
-Então brevemente terá na Artemisa Galeria a exposição da conhecida Giuliana Vanolli. Um brinde!

As mulheres ergueram suas taças de água, pois ambas estavam dirigindo, e brindaram aos novos projetos e parcerias. Pagaram a conta e cada uma seguiu para um lado. Quando já estava dando partida no carro, o celular da Giu tocava dentro da bolsa. Olhou o visor e não reconheceu o número. Atendeu de forma cautelosa.

-Boa tarde. A senhorita Vanolli?
-Quem gostaria? 
-Só um instante. – a voz feminina transferiu a ligação. -Giuliana, quem fala aqui é Antônio Cassio e represento uma editora que interessou-se em seu estilo e gostaria de marcar uma reunião, se possível ainda hoje. É relacionado ao seu quadro "Olhos de Jade".
-Me passa o endereço. 

Duas boas notícias em um dia que tinha tudo para ser horrível, já que teve início de forma desarmônica em sua casa. Chegou no local combinado e foi anunciada. Antônio já a aguardava na sala quando deu permissão para que a moça adentrasse.
O homem estava sentado em uma cadeira e uma mulher estava em pé na janela. Ao ouvir o cumprimento efusivo do homem, a mulher virou-se a fim de sanar a curiosidade acerca da pintora de tal quadro. As mulheres encararam-se antes de quebrar o silêncio. 

-Ana. -Giuliana. - Disseram ao mesmo tempo.

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