O Amanhã a Deus Pertence - Capitulo XII


12 - Sonho de Uma Noite de Outono - Parte I


Giuliana passou um tempo olhando sua caixa de entrada de e-mails onde constava um novo item em negrito. No remetente “Um Poema Por Dia” e no lugar onde constava o assunto estava “Concurso Finalizado e Resultado”. Passeava o cursor sem vontade de clicar embora soubesse que ele não abriria sozinho. Por fim desistiu de resistir.

Olá, Fiore Notte

Cá estou a parabenizá-la novamente pelo belíssimo poema que rendeu-lhe o título de campeã. Torno a deixar em evidência o quanto suas palavras me fascinaram.
Para que nossa parceria alce graus elevados precisamos conhecer-nos. Convido-te então para vir ao meu encontro para um jantar amanhã em meu restaurante preferido em Salvador.

Aguardando ansiosamente

Ana Tayó'Nilè

Giuliana não sabia se ria ou chorava de emoção. Conheceria enfim a dona da voz que ouvira recitar um verso em uma amostra cultural em Portugal a mais de dez anos atrás. Tornou-se fã da literatura portuguesa por causa dessa mulher e agora teria a honra de jantar e trabalhar com ela.

Mais que rapidamente respondeu o e-mail confirmando sua presença e pedindo o endereço. O dia amanhecia quando desconectou-se da internet, após anotar o endereço e horário no bloco de notas do aparelho celular. Seguiu para o banho.

Enquanto a água descia por seu corpo, Giuliana imaginava como seria o momento no qual estivesse face a face com ela. Ansiedade era seu segundo nome. Enxugava-se pensando nas possíveis perguntas que faria, sanaria sua imensa curiosidade a respeito daquela grande mulher.

Meu poema é o vencedor. Dio! Aquele poema tão... Inspirado na moça que encontrei no shopping e que posteriormente veio a me contratar como ilustradora em seu livro. Incrível.

Giuliana terminou de arrumar seu portfólio e saiu do quarto deixando Laura adormecida. Desceu as escadas em direção a cozinha servindo-se de um copo de suco de jenipapo enquanto cantarolava uma música em italiano. Nieta e a cozinheira olhavam aquele bom humor.


-Está contente, menina.
-Sim. Laura aceitou gerar nosso filho, tenho uma proposta excelente de trabalho e outras coisas que também me deixaram imensamente feliz.
-Que bom. Desejo a felicidade de vocês. – Não era mentira.
-Nós sabemos. – Giu dizia enquanto seguia em direção a porta.


Um estalo a fez parar e depositar sua pasta no aparador. Subiu a escada em disparada e em menos de dois minutos descia com algo nas mãos. Antes que Antonieta perguntasse, ela respondeu.


-Vou levar o note hoje. Tchau, Nieta.


Pegou as outras coisas e as colocou no banco traseiro. Assim que sentou no banco do motorista ligou o som do carro e seguiu cantando a plenos pulmões Al posto del mondo. Em uma escala de 0 a 10 seus níveis de oxitocina também conhecido como hormônio da felicidade, estariam no mais alto.


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Laura, ainda em sono, sentia-se observada e automaticamente seu corpo a fez despertar encontrando Antonieta próxima a porta. Como se tivesse o dom de ler pensamentos Laura disparou.


-Não me arrependo.
-Sabe que não vai dar certo, menina.
-Tenho que tentar. Não posso, nem vou perder minha esposa para uma qualquer.


Olhou a hora no relógio e imaginou que a outra já tivesse ido para o trabalho. Levantou-se indo para o banho enquanto ouvia Nieta falando as mentiras, seus acúmulos e as consequências que sua descoberta podem acarretar para o casamento. Em um momento de cansaço, a governanta desistiu retirando-se do quarto silenciosamente.

Besteira. A Giuliana não irá descobrir nada. Antes de ir a empresa passarei em meu ginecologista para uma conversinha. 

A mulher já saiu do banheiro arrumada e ao olhar a mesinha do quarto sentiu falta de um objeto em especial que dificilmente saía dali.


-Vou descobrir o que você esconde, querida. Não devemos ter segredos.


Pegou sua bolsa e seguiu em direção a sala de jantar. Sentia fome tanto a de alimentos quanto a de descobertas.


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-E káàro, bàbá. – Ana depositou um beijo na bochecha do senhor que já estava na segunda xícara de café.
-Bom dia, filha. Ainda está cedo para quem não teve uma boa noite. – o homem dizia enquanto servia seu café com mel a filha.
-Muitos assuntos preciso adiantar, pois ainda hoje conhecerei a ganhadora do concurso.
-Ah, sim. Bem me lembro. Você não me mostrou o poema. 
-Enviarei para seu e-mail. Penso em ir a Portugal.
-Por qual motivo?
-Ver o estado do apartamento, rever alguns amigos...
-Tens entrado em contato com Patrícia?


Oba'Dayó nutria a remota esperança de que a filha e essa moça enfim parassem com os modernismos e assumissem um real compromisso, embora o homem desconfiasse de que a filha estivesse fugindo de relações sérias desde o ocorrido anos atrás.


-Não papai. Nem tenta, estamos certos?
-Não me custa tentar.


Ambos sorriram e terminaram seus cafés. Ana logo seguiu para a biblioteca. Começaria a explicar a Giuliana as ideias que tinha com algumas passagens do livro. Quando entrou na Lus@ e seus olhos pousaram na italiana sorridente conversando com Antônio sentiu uma pequenina fagulha de alegria.
Aquela manhã passou de forma produtiva para as duas. Ana explicou-lhe seu projeto que consistia em transformar poemas em gravuras e telas. Deu alguns exemplos utilizando poemas de escritores já consagrados, mas quando perguntada sobre os seus ela disse que os entregaria quando todos estivessem prontos e o livro concluído. Mergulhadas no trabalho, nem perceberam que as horas passavam depressa. Só deram conta desse pequeno “detalhe” quando Antônio Cássio as alertou.


-Ana, já está próximo das 17 horas.
-Obrigada, gajo. Vamos deixar em pausa e amanhã daremos continuidade.
-Nossa! Estou quase me atrasando. – Giuliana recolhia seus croquis enquanto programava sua logística.
-Jantar com a esposa?
-Jantar sim, esposa não. Até amanhã.


Saiu sorrindo da sala. Antônio balançou a cabeça em sentido negativo. Em sua mente haviam duas hipóteses: ou era trabalho ou era amante. Ele não acreditava na fidelidade humana. Havia sido casado duas vezes e traído as duas. Na primeira vez deu a sorte ou azar de ir em uma inauguração de um restaurante alternativo e encontrou seu marido em um jantar bem íntimo com outro. A segunda vez havia sido a mais dolorosa. O flagrante foi na cama onde dormiam e a “vítima” seu melhor amigo, que não era tão amigo assim.

Ana havia levado em um cabide a roupa que pretendia usar para este jantar. Uma bata longa de tecido africano com estampas suaves nas cores verde musgo e preto e para os pés um louboutin preto salto médio com a sola vermelha. Havia decidido usar apenas o lápis de olho para realçar suas orbes esmeraldas e um brilho nos lábios.

Giuliana optou por uma calça jeans azul marinho com alguns detalhes prateados, blusa social feminina branca e um blazer preto dando um ar de jantar de negócios de modo informal. Para os pés um All Star preto e pouca maquiagem.

Vila Baiana localizado no bairro de Itapuã era fácil de encontrar. Ficava na rotatória que dava a possibilidade de ir para o Abaeté ou para o Farol de Itapuã e Praia do Flamengo. Se precisasse de um ponto de referência para chegar ao local era só usar o ponto da Acarajé da Cira que rapidamente informariam.

O lugar tinha dois ambientes. O restaurante com suas mesas e cadeiras tanto no salão quanto em uma varanda com vista. O segundo era no andar superior, uma espécie de boate onde ocorriam alguns shows. Ana, que havia feito a reserva pedindo uma mesa mais afastada para conversar, já havia chegado e olhava de forma distraída o mar. Não notou a chegada de uma jovem. Virou-se por reflexo e sorriu ao ver uma figura conhecida aproximando-se. Sua ilustradora estava a mesa com a sobrancelha levemente arqueada.


-Começo a pensar que o destino gosta de nos colocar nos mesmos lugares. – Giuliana concluiu.
-Decerto que sim. Então é aqui o tal jantar?
-Sim. – A moça questionava o porquê de não ter “investigado” um pouco sua contratante. Inacreditável. Esteve todo esse tempo convivendo com a mulher que enfeitiçou-lhe declamando um poema naquela voz ímpar. A voz. Como não reconheceu? Por mais tempo que tenha passado jamais esqueceria aquele evento. - É um prazer finalmente conhecê-la, Ana Tayó'Nilè ou seria Bragança? – Uma pergunta um tanto sarcástica.
-Ana Tayó’Nilè Bragança de Souza ao seu dispor. Sua graça?
-Giuliana Alves Vanolli também conhecida como Fiore Notte, ao seu dispor.
  
As mulheres analisavam-se em silêncio. Cada uma imersa em seus pensamentos sendo apenas um, compartilhado por ambas. Essa noite se saia surpreendente.

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