O Amanhã a Deus Pertence - Capitulo XIII


13 - Sonho de Uma Noite de Outono - Parte II

Horas antes...


Laura fazia o caminho para o escritório no automático enquanto seus pensamentos e lembranças a levavam em direção ao passado que deveria permanecer morto e enterrado. Se não fosse essa vontade da esposa em aumentar a família.


Cinco anos antes
  
Laura acordou novamente enjoada. Duas semanas que não sentia-se bem com enjoos e tonturas. Pensou ser algo que tivesse ingerido, mas os efeitos não durariam tanto tempo. O sono e a fome eram seus companheiros, pois quando não era a fome que a fazia atacar as panelas sem esperar pela arrumação da sala de jantar, era o sono que a fazia atrasar compromissos pelo fato de recusar-se a levantar.

Neste dia além do enjoo sentia uma forte dor na barriga e ao levantar-se viu sangue em suas vestes e no lençol. Gritou por Antonieta que logo apareceu e ao ver o estado no qual a moça se encontrava confirmou suas suspeitas.

Ajudou a jovem no banho enquanto o motorista tirava o carro da garagem. Para evitar que o sangue sujasse a roupa e o carro, colocou um absorvente e seguiram para um hospital de nome da cidade. Foi atendida pela emergência e o médico ginecologista que a atendia estava de plantão. Ao saber de sua internação foi ao encontro da moça e solicitou todos os exames possíveis. Horas depois com o resultado em mãos ele se dirigiu até a moça.


-Olá, Laura. Já tenho o resultado do seu exame.
-O que ela teve, doutor? – A senhora aflita perguntou.
-Bom... De acordo com o que aqui consta, Laura teve um aborto espontâneo.
-Aborto? – Indagaram espantadas.
-Sim. Ao que parece, você estava grávida e completaria quatro semanas.
-Ela ficará bem?
-Sim. Receitarei um rápido tratamento e depois gostaria que você fosse a minha clínica, mas...
-Mas?
-Devido a uma má formação no seu útero que impede a fixação do óvulo na parede uterina para desenvolver-se, motivo que ocasionou o aborto, receio que não poderá engravidar.
-Talvez fosse melhor assim. – A mulher sussurrou enquanto olhava um ponto qualquer na parede do quarto.

Uma criança era tudo que não precisava nesse momento, mas tudo bem. Ela daria um jeito. Ela sempre dava um jeito naquilo que a importunava ou se tornava um empecilho para que alcançasse seus intentos.


Início do Namoro com Giuliana

Laura conseguiu convencer sua namorada a irem a uma nova balada GLS que estava inaugurando na cidade. O dono era filho de um empresário conhecido de seu pai e havia lhe dado passe VIP.
As 22 horas, Giuliana parava o Opala 1988 Azul Royal do pai. Era o xodó de Giuseppe e ele só deixava a filha dirigi-lo após inúmeras recomendações. Laura desceu assim que recebeu a mensagem e seguiram rumo a boate San Sebastian no bairro do Rio Vermelho.

A entrada do local tinha uma fila que dobrava a rua. Chegaram na bilheteria e entregaram as identidades para checagem na lista especial e conduzidas pelo segurança ao interior do local. Dentro do local, a iluminação era agradável e a música não estava muito alta.

Logo Ângelo, o dono, as cumprimentou e deixou ordem no bar que a comanda delas era por conta da casa. Laura logo foi para a pista de dança enquanto a namorada preferiu ficar em um camarote reservado para elas. Olhava a outra se divertir na pista e de vez em quando os olhares se encontravam e beijos no ar eram trocados.

Em dado momento, depois de muita insistência por parte de Laura, Giuliana rendeu-se ao som de Tittanium na voz de Sia e a batida inconfundível de David Guetta. Laura deu uma rápida saída da pista em direção ao bar e enquanto aguardava sua bebida sentiu uma mão em seu ombro.


-Quem é viva sempre aparece, não é Laurinha?
-Lavínia?!
-Em carne, osso e gostosura. Falando em gostosura. Estava olhando sua namoradinha. Que delicinha hein?! Leva ela no clube para apresentar as amigas.
-Está louca? Giu nem sonha que eu um dia fiz parte disso.
-Disso? Hum. Na hora que você estava gemendo em meio aos lençóis não via nenhum desprezo em seu tom de voz. É sempre assim. Eu já deveria esperar isso de alguém mimada como você. – Preparava para sair quando sentiu as unhas de Laura cravadas em seu braço. – Está querendo um escândalo aqui, pantera?
  
Quando preparava-se para dar uma resposta atravessada a mulher, ouviu a voz de Giuliana em suas costas e disfarçou a tempo.

 -Amor, algum problema?
-Não. Nenhum. Só reencontrei uma velha amiga que já estava de saída.
-Velha amiga? – A mulher perguntou com uma expressão cínica. – Prazer, Lavínia.
-Giuliana.
  
Trocaram beijos e Laura tratou de arrastar a namorada dali. Foram para o camarote e lá ficaram o resto da noite. Antes de conhecer Giuliana, Laura já havia se envolvido em muitas situações e com algumas pessoas de índole duvidosa. Com essas “amizades” teve conhecimento de um clube seleto. Era uma casa de swing em um bairro nobre da cidade. A fachada de casa residencial escondia segredos e foi lá que conheceu Lavínia Armani.

Filha de empresários do ramo alimentício. Linda em sua beleza exótica. Dissimulada, manipuladora, cínica, sexy e quente. O que atraiu a atenção de Laura e juntas cometeram algumas loucuras até que a mais nova parou de frequentar o clube. Semanas depois iniciou o namoro com a italiana.
Não havia gostado desse encontro. Preferia manter Giuliana longe da parte escura de sua vida, pois ela representava um recomeço para si. Uma nova oportunidade que a vida estava dando-lhe


-Inferno! – A mulher bateu no volante com fúria.

Após o sinal de trânsito abrir para os carros, desviou o trajeto seguindo para a Avenida Aleomar Baleeiro, edifício Esfinge no terceiro andar. Consultório do seu ginecologista. Estacionou o carro na vaga para pacientes e subiu. Ao chegar, conversou brevemente com a secretária e soube que o homem teria uma hora livre. Pediu para ser encaixada nessa vaga, pois era emergencial. Aguardou que o médico terminasse a consulta. Pouco tempo depois, o homem abria a porta despedindo-se de uma senhora e convidou-a a entrar e sentar.

-O que a trouxe aqui?
-Giuliana quer um filho e pelo nosso casamento, estou disposta a engravidar.
-Você sabe ser impossível.
-Eu sim, ela não. E gostaria que o senhor me ajudasse a manter esse engodo.
-Laura...
-Diga seu preço e eu pago.


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Giuliana havia pedido uma bebida com baixo teor alcoólico e Ana, um chá. As mulheres ainda analisavam-se em silêncio. Seria uma feliz coincidência ou realmente o destino gostava de brincar insistindo em uni-las das formas mais inusitadas possíveis? A resposta? Nenhuma delas saberia precisar. Após a entrega dos pedidos, Ana propôs um brinde.


-A poesia em vida.
-A vida em forma de poesia. - Bebericaram de suas taças. – Por que apresentou-se apenas como Ana Bragança?
-Não queria afugentá-la. Houveram casos de pessoas que afastaram-se após saber quem eu era no mundo literário. A partir de então apresento-me daquela forma a quem me é de interesse.
-Sou do seu interesse?
-Em muitos sentidos. – Piscou-lhe enquanto o garçom servia a refeição. – Huumm. Divino esse camarão. -Falou após experimentar a especialidade do local.
-Isso é crueldade, sabia? Haverá troco.
-Assim espero. Conte-me um pouco de ti, afinal esse jantar é para conhecer a Fiore Notte.
-Sou filha de um italiano e uma brasileira. Artista plástica, pintora e ilustradora como já sabes e amante de literatura.
-Faltou mencionar que és compromissada. Se está a tentar ocultar essa informação sinto dizer, mas vosso anel não é discreto o suficiente pra tal.
-Não é ocultar, mas tantas coisas andam acontecendo nele que acabo deixando esse fato um pouco em obsolescência para não entristecer. – Olhava o anel reluzir em seu dedo.
-Sua esposa é uma mulher de sorte por ter-te quando muitas cobiçam tomar o lugar que a ela pertence.
-Talvez.
-Não se subestime. Qualquer mulher estaria honrada em está ao lado seu. Qualquer uma. – Deu uma garfada ingerindo uma boa quantidade de alimentos que estava em seu prato.


Embora tivesse conhecimento de suas qualidades, Giuliana não achava-se suficiente para despertar a atenção de outras mulheres e ouvir de uma mulher como Ana tantos elogios era um bálsamo para sua autoestima.


-Há quanto tempo conhece meus textos?
-Uns dez anos.
-Como? Eu ainda não tinha fama no Brasil.
-Eu estava em Portugal e você se apresentou em um evento multicultural com o poema Quisera. Assim que o ouvi, encantei-me. Fui em busca dos seus livros e comprei o que encontrei. Os outros um amigo que lá fiz me enviava ou trazia quando vinha a passeio.
-Interessante. Lembro-me deste evento.
-O que te inspira?
-Mulheres de negros cabelos, olhos azuis e covinhas cativantes. – Sorriu demostrando que estava a brincar. – Depende do meu momento. Posso contemplar o céu e remeter-me a algo que me faça querer por em papel ou meu olhar pousar em algo que chame a atenção dos meus sentidos para transformar aquela bela visão em versos. Fiore Notte. Por que?
-Flor noturna. Sou amante das flores e da noite. Junção.
-Pensei ser alusão a Dama da Noite. Flor que embriaga os sentidos de quem se aproxima com seu aroma peculiar. Uma bela analogia.
-Quem saberia dizer? – Após provar um pedaço do mousse levado pelo garçom como pedido, acrescentou. – Talvez seja um autorretrato.


As mulheres aproveitaram aquele momento para se conhecerem. Não como colegas de trabalho e sim como mulheres que pretendem iniciar uma amizade. Quando olharam no relógio já era quase 1 hora da manhã. Pediram a conta e depois de um impasse optaram por dividir o valor. Enquanto se encaminhavam para o estacionamento do local, faziam um retrospecto da noite e chegavam a conclusão de que havia sido agradável. Chegaram nos carros.


-Obrigada pelo memorável jantar.
-Imagina! Eu que agradeço pela oportunidade de conhecer alguém que admiro.
-Estamos quites.


Ao trocarem um último abraço e beijo na bochecha, os cantos dos lábios quase encostaram-se, mas se houve algum constrangimento, este foi guardado a sete chaves. Ana seguiu para a casa de seus pais e Giuliana, sua casa. Onde uma esposa a aguardava para uma conversinha.




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