Conto - Decisões Extremas
Aeroporto Internacional Luis Eduardo Magalhães
-Não me diz que ela já foi. – disse uma voz feminina
embargada pelo choro.
-O avião acabou de decolar. – a voz grave masculina
respondeu-lhe.
-Será que ela volta?
-Vai demorar. Ela precisa se curar, renascer. E quando
estiver sentindo-se pronta ela voltará. Você esta de carro?
-Não. Vim de taxi.
-Te dou carona.
Praia de Patamares – Um dia antes.
Ela estava sentada embaixo da barraca dos bombeiros.
Enquanto as ondas do mar quebravam na areia em um movimento constante ela
rodava a carta que segurava entre os dedos. Havia tomado uma decisão radical,
mas tinha esgotado suas opções e não estava disposta a sofrer nem mais um dia.
Ao olhar para o calçadão viu seu amigo acenando. Ruan, um
amigo único que jamais irá encontrar outro igual. Ele foi o primeiro, a saber,
quando tudo começou e saberá agora a sua decisão. Levantou para abraça-lo.
-Mulher, saudades. Onde você se enfiou? Ligo pra sua casa,
você não atende. Seu celular só da caixa.
-Desligado, veado.
-Vishe! Não quer ser encontrada. Nem pela sua protegida.
-Principalmente por ela.
-Sapa, me fala o que aconteceu.
-Besha, eu cansei. Você gostar de uma pessoa e não ser
correspondido é uma coisa. Você gostar, saber que ela também gosta mas não se
decide é outra. Me faça um favor, entregue essa carta na casa dela.
-Por que você não deixou lá?
-Não queria ser reconhecida. Você não é conhecido. Faz esse
favorzinho pra sua amiga, faz. – Olhou-o sorrindo com a expressão arteira.
-Aff! Tá. De ca essa carta. O que não faço por você.
-Você me ama. Veio de sunga?
-Vim, né?! Exigência sua.
Começaram a despir-se e entraram na água. Brincaram feito
duas crianças quando iam para o rio que tinha perto da casa deles. Horas depois
se despediram e cada qual foi pra sua casa. Enquanto dirigia pela orla de
Salvador, ela pensava em como sua vida tinha rumado e no aparente desfecho.
Do outro lado da cidade, Ruan parava o carro em frente ao
prédio Arlene Matos no Bairro da Federação. Perguntou ao porteiro pela moradora
do apartamento 202. Ele respondeu que ela não estava após interfonar. Deixou a
carta para ser entregue junto com a correspondência. Foi para casa.
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-Bora, viada. Sai desse quarto. Vai perder o voo. – um
impaciente Ruan falava enquanto botava as malas no carro.
-Vamos. Já fechei tudo, aqui as chaves. Nada de festinha na
minha ausência, viu?! – abriu a porta e se acomodava no banco do carona de um
Pajero branco.
-Até parece que vou dar festinha. Vou fazer de motel mesmo.
– se olharam e riram.
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Horas antes
-Dona Janaina, tem correspondência para a senhora e um rapaz
passou aqui deixando uma carta. – disse-lhe o porteiro.
-Obrigada, seu João. – subiu o elevador olhando os
envelopes.
Ao abrir o apartamento colocou a bolsa no aparador e abriu a
carta endereçada a sua pessoa. Ao ver e reconhecer de quem era a letra seu
coração disparou. Há dias tentava entrar em contato com Nádia e seu celular só
dava caixa postal, em casa não atendia. Pegou-se varias vezes em frente onde
ela morava indecisa sobre bater em sua porta. Começou a ler.
Jana
Por respeito aos anos
de amizade que tivemos vou dizer-lhe algumas coisas. Eu te amei. Amei-te
demais. Amei-te intensamente e dolorosamente. Foi algo tão forte que tomou
proporções inéditas, mas para meu bem físico e psicológico estou renunciando a
esse sentimento.
Tornou-se obcessão.
Uma doença e preciso curar-me. Sei que se permanecesse em Salvador não
aconteceria tão cedo. Estou saindo da sua vida. Pela porta dos fundos para não
causar-lhe mais estragos. Siga sua vida, pois vou recomeçar a minha.
Não me tome por
insensível se digo-lhe palavras duras. É apenas o que externa meu coração
machucado, sofrido. Tivestes todas as chances de ser feliz ao meu lado e mesmo
assim escolheste a comodidade.
A vida é feita de
escolhas. Quando avançamos, inevitavelmente algo fica para trás. Peço que, por
favor, não me procure. Mudarei de numero e os poucos a quem darei meu paradeiro
não estão autorizados a informar-lhe.
Até algum dia
De alguém que muito te amou.
De alguém que muito te amou.
Lagrimas saiam dos seus olhos. Sabia serem verdadeiras todas
aquelas poucas palavras. Assim como a pessoa que as escreveu. Um alguém de
poucas palavras e muitos olhares. Passou a noite rememorando os doces momentos
desde o dia no qual se conheceram.
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Aeroporto Internacional Luis Eduardo Magalhães
-Por que Portugal?
-Gosto de lá. É um bom lugar para recomeçar a viver.
-Aí amiga, vou sentir sua falta. – abraçaram-se enquanto a
atendente anunciava a ultima chamada para o embarque do seu destino. – Não
demora a dar noticias.
-Pode deixar. Vou aparecer breve.
Fez o check-in e andou arrastando a mala de mão até
desaparecer da vista de seu amigo. Ruan ainda ficou olhando pelo vidro da sala
de embarque o avião subir. Ao sair do aeroporto encontrou a causadora do
sofrimento de sua amiga. Tarde demais. Quem sabe um dia elas reencontrem-se,
mas não será mais da mesma forma. O tempo de Janaina havia passado.
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Dentro do avião
Enquanto olhava a cidade distanciando ouvia o soluçar da
jovem que estava sentada ao seu lado. Preocupou-se. Indagou-a para saber se
estava bem.
-Sente algo?
-Não, estou bem. Desculpe incomodar.
-Se quiser conversar...
-Estou indo embora para não mais sofrer. A mulher que amo
preferiu casar-se com um homem que a agride do que viver ao meu lado.
-Me chamo Nádia, qual seu nome?
-Lívia. – esboçou um sorriso. Talvez Portugal e o destino
reservassem surpresas pra ti.
Fim?!
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