Nossa Forma de Amar - Capitulo II
2 – Mundos Opostos - Sirê (Festa)
-Em nome de nosso Senhor esta aberta a
Igreja Jesus Cristo é o Senhor.
Os fieis aplaudiam entusiasmados e
louvavam ao Senhor com cânticos de adoração.
O sonho de José finalmente realizara-se. Fundou sua igreja e breve sua
filha estaria de volta. Já tinha planos para seu futuro, um casamento arranjado
com seu mais novo braço direito. Moises. Recém-chegado vindo da cidade de
Barreiras e que de bom grado foi ajudando-lhe no que fosse necessário.
Aparentava ser um homem manso, o rosto maltratado pelo tempo, mas pensara que
deveria ser devido ao clima interiorano. Mal sabia que este homem escondia uma
historia que mudaria seus conceitos.
-é hoje que nossa filha chega homem de
Deus.
-pelo horário ela já deve ter chegado,
vamos para casa que o irmão Moisés ficará feliz em saber que nossa filha, sua
futura esposa esta de volta.
-marido, você tem certeza que ela irá
aceitar se casar com ele? Você mesmo nem sabe direito a historia dele.
-Basta mulher! Ele é um homem bom e ela
tem que seguir os mandamentos da bíblia, esposa e dará continuidade a igreja.
-marido, nossa menina foi estudar fora
agora é uma doutora formada não irá querer isso pra vida dela.
-ela tem que querer afinal de contas
ela é nossa filha e saberá obedecer aos seus pais, fim de conversa mulher,
vamos ter com Moisés para que nos acompanhe, ela certamente se lembrará dele.
Luiza acabara de tomar banho e
deitara-se em sua cama, não tirava de seu pensamento os olhos, a voz, o cheiro
tão gostoso que impregnara em si quando se tocaram. Não conseguia parar de
pensar em Milena e já se via encantada por aquela bela morena. Desde a sua
adolescência tinha consciência de sentir-se atraída pelas mulheres. Havia tido
um pequeno romance com uma jovem que trabalhava na secretaria do antigo colégio
no qual estudara não teve futuro, pois como toda adolescente seus hormônios
estavam em ebulição e ela sentia a necessidade de experimentar.
Quando se mudou para fazer sua
faculdade de Direito na USP após ter passado do vestibular descobriu que o
mundo era imenso e suas possibilidades também. Logo no primeiro ano
apaixonou-se perdidamente por Susana. Apesar de suas amigas falarem da fama de
sua amada, ela não as escutava. Certa noite, véspera de prova havia dito que
não sairia porem repentinamente sentiu-se sufocada e resolveu dar uma volta nos
arredores da praça. Avistou Susana e uma moça conversando bem próximas e em um
dado momento presenciou um beijo carregado de volúpia entre ambas.
Voltou para
casa em prantos e decidiu não mais envolver-se afetivamente. Teve vários casos,
entre jovens, mulheres maduras, solteiras e casadas, lesbicas, bissexuais e ate
héteros que se encantavam com sua beleza. Nenhuma tinha balançado seu coração
até agora. O barulho da porta a tirou dos seus devaneios vestiu-se e foi à sala
sabendo que seus pais teriam chegado.
-filha, sentimos tantas saudades sua.
-eu também mamãe.
-Luiza eu faço muito gosto no seu
relacionamento com Moises ele é trabalhador, moço direito de família cristã
temente a Deus.
-depois conversamos. Vou pro meu
quarto com mamãe falar sobre a viagem.
José despediu-se de Moises prometendo
que faria sua filha aceitar o pedido de casamento visando à união deles e a
continuidade da igreja.
-como foi à viagem?
-foi interessante.
-esse brilhinho nos olhos? Conheceu
alguém por lá?
-não, mãe me diz uma coisa.
-pergunte.
-quem mora no final da rua?
-olha, se seu pai souber disso ele vai
ficar bravo.
-por quê?
-no fim da rua mora uma senhora que
fez da casa dela um lugar de perdição. Onde nosso Senhor não entra.
-é um bordel?
-pior, é uma casa de feitiço, macumba,
sei lá o nome que de a esse lugar, mantenha-se longe, porque essa pergunta?
-curiosidade. Mãe estou me sentindo
cansada.
-durma minha filha que nosso Senhor
proteja teu sono. Boa noite.
Assim que sua mãe saiu do quarto, Luiza
ficou pensativa a respeito do que sua mãe havia lhe dito. Será que é a casa dela? Que loucura isso a filha de um pastor
apaixonada pela filha de uma mãe de santo. Apaixonada?! Será isso que sinto por
ela? Sim, é paixão. Será que ela sente o mesmo? – Com esses pensamentos,
adormeceu.
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-vamos minha gente, tem que esta
pronto antes das 17 horas. – falou uma senhora aparentando beirar os 50 anos.
Morena, cabelos na altura dos ombros um pouco grisalhos, estatura mediana.
-calma Ya, olha como esta ficando
bonito o salão.
No telhado tinha bandeiras de papel
seda nas cores branco, verde água e azul em fileiras, nas pilastras foram
amarrados vários ojás (faixas de tecido morim ou madrasto bordado ou lisos
usados para enfeite) em forma de laços, espalhados pelas paredes tinham
espelhos e leques prateados.
-ela já deve estar chegando e com
certeza virá para cá então deixarei por conta de vocês o final e irei distraí-la
ate a hora que terminarem.
Mal havia saído do salão ouviu-se o
som de um carro parando em frente a sua casa. Milena desceu do carro e o taxista
ajudou-a com as malas, o homem levou um susto ao ler no frontal da casa Ilê Asé Omi Iemanjá.
Milena riu da expressão do homem, mas
nada falou. Sua mãe apareceu no portão acompanhada de dois homens que logo
colocaram suas malas na casa de dona Lucimara.
-filha, quanta saudade eu senti, quer
matar sua mãe de solidão?
-não faz drama dona Lucimara, estou
aqui inteira, viva e com saúde. Me da um abraço que eu senti falta desse colo.
-estou vendo um brilho diferente
nesses olhinhos lindos.
-conheci uma pessoa.
-vamos tomar banho e você me conta
essa historia direitinho mocinha.
Após o banho, Milena contou todo o
ocorrido a sua mãe que ouvia atentamente fazendo apenas alguns questionamentos.
Enrolada numa toalha, Milena deita-se sobre o colo de sua mãe enquanto
conversam.
-nunca me senti assim antes.
-nem pela Sandra?
-aquilo era só sexo e agora é mais do
que tato.
-é paixão.
-sim, é paixão.
-isso é bom, mas e ela?
-desde a primeira troca de olhar senti
que mexi com ela, tenho o número do telefone dela.
-vai ligar?
-claro né mãe.
-termine de se arrumar e antes que
pergunte suas roupas estão no meu quarto.
-não vai falar?
-surpresa. Apresse-se que os
convidados já devem esta chegando.
-só uma coisa, quem é o dono da casa
no inicio da rua?
-o pastor José e sua esposa Mercedes.
Eles têm uma filha na sua idade, que também foi estudar fora. Minha filha essa
moça não?
-sim, é a filha do pastor.
A celebração organizada por dona Lucimara
não era uma festa qualquer. Era a comemoração da volta de sua joia rara e
preciosa. Uma de suas duas filhas biológicas em meio a tantos outros que a
consideravam como mãe e que seu coração adotara há mais de 30 anos quando
começou a exercer seu sacerdócio dentro do Axé. Cada filho novo que chegava
cheio de problemas e duvidas era acolhido igualmente. Passado aquele período,
pareciam uma grande e diversificada família.
Dentre os convidados estavam ilustres
Babalorixas e Iyalorixas famosas no Brasil como: Mãe Noêmia de Oxum, Pai Valmir
de Oxalá, Mãe Néinha de Nanã e tantos outros que foram prestigiar a futura
Iyalorixa.
Milena surpreendeu-se ao ver as roupas que sua mãe havia separado. A
saia verde água bordada em pedrarias transparentes com sete tecidos de variadas
cores dando as ordens na barra da saia, a camisa era de rechilieu Frances
presente de um cliente de Lucimara que conseguiu a graça que tanto desejava, a bata
era de caça bordado com linhas cor de prata, alaká e ojá de rechilieu branco
adornados com fios verde-água.
Enquanto vestia-se, Milena se
perguntava se Luiza a aceitaria sendo filha de quem é e como fariam para se ver
já que a família dela era evangélica. Mas antes da aceitação teria que
descobrir o que a outra sentia. Se for correspondida em seu sentimento. Caso a
resposta fosse sim faria de tudo para te-la junto a si. - Depois eu penso nisso, vamos ver o que me aguarda-pensou antes de
chamar sua mãe.
-posso entrar?!
-entra Lila, há quanto tempo não te
vejo.
-pois é, vim ver se já esta pronta.
-sim, me diga uma coisa, o que você
sabe sobre a família do pastor?
-sei que abriram outra igreja hoje e
que ele quer casar a filha com tal de Moisés que será o novo pastor.
-interessante.
-por que esse seu interesse hein?!
-nada não.
-conta maninha, que eu te conheço.
-ta bom, a filha deles veio no mesmo
avião que eu e pelo que indica ela ta interessada nos meus lindos olhos.
-convencida, cuidado viu?! Ele não é do tipo
flexível não e se souber da nossa mãe vai ser um “Deus nos acuda”.
-eu já disse que você parece com a
nossa mãe com esses seus ditos populares?
-para de graça e vamos que ela esta
nos esperando.
A casa na verdade era um sitio onde
estava construído um salão grande onde é conhecido como Barracão, lugar
destinado à realização das cerimônias ritualísticas do candomblé abertas ao
publico. A porta era no estilo colonial português, com um arco e o frontal onde
estava o nome do terreiro. Eram seis pares de janelas de ambos os lados. Quando
se adentrava o salão podia se ver uma enorme pilastra onde estava um dos
principais e mais poderosos fundamentos da religião.
No lado direito do salão estava
espalhados algumas cadeiras acolchoadas para algumas celebridades deste mundo.
Do lado esquerdo tinha uma pequena elevação onde ficava o lugar reservado aos
atabaques, instrumentos feitos de madeira e do couro de animais tocados pelos
ogans alabes com a permissão da zeladora da casa. Lucimara preservava muito da
tradicionalidade e por este motivo, no seu terreiro homens ficavam de um lado e
as mulheres no lado oposto. Para manter o respeito da casa.
Enquanto não começava, os convidados
desfrutavam dos salgados encomendados especialmente para servi-los. De repente
foi-se ouvido o som inconfundível do Adjá balançando na mão de Ya Lucimara de
Yemanjá Ogunté. Foi o sinal para que todos levantassem dando inicio a cerimônia
na qual algumas filhas de santo da casa em ordem hierárquica e enfileiradas se
dirigiam a porta para reverenciar Exu, o primeiro dos orixás. Responsável pela
comunicação entre os humanos e as divindades. Sem a condescendência de Exu nada
prospera nada caminha.
Em seguida passavam pelo “altar do
sagrado” como alguns chamam o local onde ficam os atabaques em sua reverencia e
por fim a Iyalorixa. Nesta reverencia seus filhos levavam os joelhos ao chão e
tocavam o solo em respeito ao orixá que era louvado naquele lugar. Começava
então um dos momentos mais bonitos onde aquelas senhoras trajadas com suas
indumentárias dançavam e louvavam em cânticos na língua yoruba, língua de seus
ancestrais, seus deuses.
Milena vinha pelo corredor que dava
acesso a uma entrada no barracão pensando e rememorando sua infância, o período
de sua iniciação na religião e o fascínio que sempre teve por aquele mundo.
Seria realmente capaz de abrir mão de tudo aquilo por amor? Quando percebeu,
estava em frente à cortina que dava acesso ao salão. Os atabaques dobraram em
sinal de respeito e reverencia a entrada da herdeira do terreiro.
Repetiu o ritual que outrora os outros
filhos fizeram e postou-se ao lado de sua mãe. Após essa breve pausa, os
festejos foram reiniciados. Seus olhos corriam pela sala reconhecendo rostos e
sorrisos, outros lhe eram desconhecidos e um em especial não lhe agradou.
Simone Barros, jornalista e blogueira com a qual teve um breve relacionamento
que encerrara de forma desastrosa e com sua ida para São Paulo. Não era hora
para exaltar-se. Depois resolveria essa historia. Sua mãe também já havia visto
a moça e na primeira oportunidade comentou com Milena.
-espero que ela não faça nada que nos
prejudique.
-ela ainda não esta doida, mamãe. Sabe
muito bem do que sou capaz. E a senhora armou direitinho essa festa né? Até
minha tia Neinha veio.
-você merece filha.
Em determinado momento ela parou os
cânticos para que o porta voz da casa pudesse fazer um pronunciamento.
- Boa tarde a todos. Eu, Tatá
Komunkenge Igor de Gongobila, na qualidade de amigo e porta voz da casa, venho
a agradecer a presença de todos no Ilê
Asé Omi Iemanjá e relembrar que a partir deste momento ficam proibidas as filmagens
e fotografias para preservação do nosso patrimônio e culto. Obrigado pela
atenção.
Lucimara aproximou-se da pilastra
tocando-a e levando os dedos a cabeça em reverencia. Com o adjá em punho, suas
filhas e alguns convidados ao seu lado. Entoou um cântico especial pedindo que
o orixá Iemanjá que também era protetora de sua filha os agraciasse com sua
presença visível no Aiye através da incorporação em Milena.
As vozes cantavam em coro, clamando,
louvando. Enquanto os passos ritmados davam a beleza do momento mais aguardado.
Os batimentos cardíacos aceleravam o salão já não tinha mais a mesma formação
para Milena, seus passos começaram a ficar lentos, a emoção roubando-lhe a
lucidez, ouvia vozes distantes ao mesmo tempo no qual uma áurea de paz a envolvia.
Sentia braços acalentadores e uma voz suave a lhe cantar. Embalar. Suas feições
e expressões suavizaram. Um canto fez-se ouvir calando as outras vozes. Era o
canto da rainha das águas doces e salgadas. Senhora do Equilíbrio que ali
estava se fazendo presente.
As Ekedjis conduziram-na a um quarto
onde a arrumariam com suas vestes características. Para os convidados eram
servidos alguns canapés. Simone aproveitou-se do pequeno intervalo para
comentar com o fotografo que trabalhava com ela no jornal da cidade.
-Desde que eu conheci Milena todas as
vezes que vou assistir um candomblé meu coração dispara principalmente na hora
da incorporação.
-Isso é psicológico.
-Pior que não. Uma vez quando eu ainda
meio que a namorava dona Lucimara uma vez me disse que meu destino estava
traçado por Oyá. Que ela não me desamparava nas batalhas da minha vida.
-Que profundo! – Roger disse. – e
porque vocês terminaram?
-Isso não vem ao caso. Vamos para
nossos lugares que irá recomeçar.
Menina!!!
ResponderExcluirVai ser tenso entre essas duas famílias 😱