Nossa Forma de Amar - Capitulo L
50 – Desespero
É impressionante a corrida do tempo quando
se está ansioso ou feliz. Para o ansioso arrasta-se e para o feliz parece ter
asas e voar. E os dias viraram semanas. A cada dia Luiza parecia estar melhor.
Pelo menos uma vez por semana tinha o mesmo pesadelo, curiosamente coincidia de
serem os dias nos quais Moises fazia questão de visitá-la.
Milena também a via. Em dias e horários que
o pastor não estava para que não houvesse exaltações. Aos poucos Milena passou
a observar o estado de saúde da mãe após o alerta de sua irmã. Às vezes a via
reclamar de uma pontada no peito, mas quando questionada Lucimara desconversava.
Em uma tarde enquanto ajudava um dos seus
filhos a desfiar o mariwo* sentiu uma dor forte largando o que segurava
e caindo. Gilson gritou por ajuda e as irmãs Ventura apareceram. Ao ver a mãe
desmaiada, Milena correu para tirar o carro enquanto Dalila e Gilson a colocava
no veiculo. O rapaz assumiu a direção e em poucos instantes davam entrada
no pronto-socorro.
Os médicos fizeram o procedimento e
colocaram Lucimara em um quarto, com tubos de oxigênio e medindo a frequência
cardíaca. Um dos médicos perguntou se ela já havia se queixado de dor no
coração. Relataram ao medico os fatos que vinha ocorrendo e ele resolveu deixar
à senhora alguns dias internada enquanto faziam um check up.
Dalila se prontificou a passar a noite no
hospital e no dia seguinte outra pessoa a renderia. Milena ao chegar no
terreiro relatou o que o medico disse e sobre a necessidade de ter um
acompanhante. Todos se prontificaram, queriam de alguma forma retribuir todo
amor que receberam.
Depois de um banho revigorante, Milena
ligou para sua amada. Em meio as juras de amor, algumas bobagens e outras
ardentes Milena contou sobre o ocorrido com sua mãe. Luiza aconselhou-a a
cuidar de sua sogra por esses dias.
Durante uma semana Moises vigiou a casa do
pastor e não viu Milena em momento algum, supôs que as moças haviam terminado o
namoro e era sua chance de ter a moça. Naquela semana uma frente fria tomava
conta do litoral baiano causando chuvas. a igreja estava em vigília e o pastor
e sua esposa passariam a noite fora. Luiza conversava com Milena enquanto esta
voltava do hospital para o terreiro.
-Vou passar aí só para te dar um cheiro. –
sorria enquanto dirigia.
-Amor, você esta cansada. Vai para casa,
descansa e amanhã você passa aqui. – tentava inutilmente convencê-la.
-Não. Hoje. Seus pais não estão a
privacidade será maior.
-Eu sabia que tinha outros interesses por
trás dessa súbita vontade de me dar um cheiro.
-Também, mas precisamos conversar.
-Ai, amor. Esse seu... – Luiza não
completou a frase, pois ouviu um barulho de vidro estilhaçando. – amor, acho
que tem ladrão aqui.
-Tranca a porta do seu quarto, estou indo ai
agora.
Milena desligou o telefone acelerando o
carro. A chuva não contribuía com sua pressa. Enquanto tentava os atalhos que
conhecia ligou para a policia informando da tentativa de arrombamento.
Luiza saiu do quarto sem fazer barulho,
iria descobrir quem era. Moises precisou quebrar o vidro que dava acesso a
maçaneta da porta da varanda para destrancá-la. Irritou-se pois poderia alarmar
sua chegada. Passou pela sala em direção aos quartos. Luiza correu
trancando-se enquanto o homem avançava.
-Agora ocê vai minha cabritinha. – no
sorriso e nos olhos só se via a maldade.
Ao ouvir aquelas palavras Luiza sentiu uma
pontada na cabeça junto com o que a memória tinha excluído. Era ele. Seu algoz
era o homem que seus pais abrigaram. Ligou para Milena e no segundo toque foi
atendida.
-É ele, amor. É ele.
-Ele quem? Onde você esta?
-O homem que me atacou na rua. Foi ele. –
Luiza chorava ao telefone.
-Ele quem? Luiza se acalma. Respira devagar
e me fala.
-O rapaz que meu pai queria que eu casasse.
Moises. Foi ele amor. Vem rápido.
-Cabritinha, eu vim te ver. Abre a porta. –
o homem gritava.
-Vai embora seu louco. Já sei que foi você.
-Só saio daqui depois de meu premio.
O homem começou a chutar a porta na
tentativa de quebrar a fechadura. Milena cortava pelos atalhos o mais depressa
que poderia. Não se importava com a multa, seu desejo era chegar lá a tempo.
Não queria nem imaginar o que sua mãe faria.
Depois de tantos chutes Moises conseguiu
quebrar a porta e abriu com vagar e prazer. Olhou Luiza de forma lasciva. Luiza
estava trajando uma camisola com estampa de urso que parava no meio de suas
coxas. O homem correu para cima dela que desviou e saiu do quarto as pressas.
-Não fuja que eu vou te pegar.
Luiza tentava atingi-lo com o que
encontrava pela frente. Vasos, panelas, utensílios. Milena largou o carro na
frente da casa e subiu correndo ao ouvir o barulho dos objetos se chocando. Ao
entrar na casa viu o homem se aproximando de sua amada. Pegou um porta-retratos
que tinha perto da entrada e o atingiu desacordando-o.
Abraçaram-se em meio aquele caos.
Beijaram-se com gosto de medo e preocupação. Estavam tão absortas naquele
abraço que não viram o homem recobrar os sentidos. O homem puxou Luiza para si
tirando um canivete do bolso. Nesse momento as sirenes das viaturas pararam em
frente à casa. Luiza gritou chamando a atenção dos policiais. Seis homens
chegaram a porta do apartamento com seus revolveres em mãos.
-Largue essa faca, rapaz. Não tem para onde
você ir. Um dos policiais falava.
-Não. Ela vai ser minha. É minha noiva. Foi
prometida a mim, mas essa mulher macho tinha que tentar roubá-la de mim. Agora
ela será minha. – o homem falava sorrindo enquanto caminhava com Luiza em
direção a sacada da varanda.
-Vamos conversar com calma. Abaixa essa
arma.
-NÃO. SE AFASTEM OU ELA MORRE. – encostou o
canivete no pescoço da jovem.
Milena viu que quando exaltado Moises
perdia a concentração do que estava fazendo. Falou rapidamente ao policial e
ele entendeu a sua intenção. Enquanto Milena atraia a atenção do homem para si
os policiais posicionavam-se.
-Sua noiva? Desde quando?
-CALA A SUA BOCA. VOU TE MOSTRAR COMO UM
HOMEM DE VERDADE FAZ COM UMA MULHER.
-Não tenho medo de você. Não passa de um
covarde que ataca mulheres e ainda diz amá-la.
-MENTIRA, SUA... – o homem teve sua fala
interrompida pelo estampido de um tiro certeiro.
Lentamente o abraço afrouxava. Luiza correu
para Milena se abrigando em seus braços. O homem jazia ensanguentado ao redor
de uma poça na varanda. Os policiais chamaram a Samu, mas o homem não resistiu.
O tiro havia acertado o coração. Enquanto isso o casal prestava alguns
esclarecimentos e Luiza relatava o ataque que havia sofrido meses atrás.
Maria recebeu uma ligação de Luiza pedindo
que fossem para casa imediatamente. Ao chegarem viram as viaturas e Luiza
chorando nos braços de Milena. Jose acelerou o passo para tomar satisfação com
a jovem.
-O que faz perto de minha filha, idolatra
de ídolos?
-Essa moça é uma heroína. Se não fosse por
ela uma hora dessas sua filha estaria em sérios perigos.
-O que aconteceu aqui? – Maria perguntou.
-Um rapaz invadiu a casa e tentou agarrar a
jovem.
-Que rapaz? – Indagou Jose aflito.
Milena que a todo tempo se manteve calada
respondeu.
-O pretenso pretendente de sua filha que o
senhor arranjou, botou em sua casa e tentava a todo custo casar sua filha. Um
homem estranho que apareceu do nada.
-Não é possível.
-O senhor pode identificar o corpo se
quiser. – um dos policiais interviu.
O homem o seguiu até sua varanda. Ao
levantarem a lona seu corpo por um momento fraquejou. Era ele. Moises. O jovem
que chegou sem eira nem beira e o pastor tinha dado casa, comida e emprego.
Agora estava sem vida. Havia tentado agarrar sua filha. Precisava respirar,
saiu as pressas.
Encontrou as três mulheres sentadas na
calçada. Não quis se juntar. Sentou um pouco mais afastado e pensava em tudo o
que viveu. Sentia sua mão esquerda formigar tentando mexer o braço sem sucesso,
sua língua começou a embolar e a visão a ficar embaçada. Antes que conseguisse
chamar sua esposa desmaiou.
As mulheres correram para acudi-lo junto
com os paramédicos da Samu. Constataram principio de AVC* o conduzindo
imediatamente para um hospital. Maria acompanhou o homem e Milena levou Luiza
para o terreiro após a pericia técnica deixar o local.
Já no terreiro, no quarto de Milena depois
de banhadas o casal dormia de conchinha. Milena havia dado um calmante a Luiza.
Pela manhã acordou antes da namorada e foi preparar algo para elas. Enquanto
fazia o café Dalila chegou a cozinha.
-Nem vi você chegar, mana.
-Aconteceram tantas coisas.
Passou a relatar o desfecho da noite para a
irmã. Ao fim Dalila comentou.
-Que provação vocês passaram hein. Mana
você já contou a ela sobre a possibilidade? Porque pelo que o médico disse...
-Não deu. Mas assim que acordar iremos
conversar.
-Então agora é a hora. – respondeu Luiza
que já havia tomado banho e chegava para o café.
-Bom dia cunhadinha, vou para o hospital
mana. – depositou um beijo na testa da irmã.
Luiza sentou-se e se serviu do café, pães e
geleia. Milena a olhava. Tão linda, tão sua. Em pensar que quase a perdeu para
aquele insano. Lembrou-se da apresentação inusitada no avião, do primeiro
flerte, dos sorrisos e provocações. Saiu dos devaneios com a pergunta de Luiza.
-O que você tem para me contar?
Minidicionário:
AVC- Acidente Vascular
Cerebral
Mariwo – tiras de franjas
desfiadas feitas da tala do dendezeiro colocado nas portas e janelas das casas
de axé para proteção. Também faz parte da vestimenta do orixá Ogum.
Comentários
Postar um comentário