Nossa Forma de Amar - Capitulo XLIII


43 – O Belo Através de um Olhar


-Oi. – Simone pronunciou com um pouco de dificuldade. – Estou aqui há quanto tempo?
-Alguns dias. Seu chefe foi chamado e encontrou você desacordada.
-Hum! Onde ele esta? – seus olhos piscavam pesadamente.
-Virá mais tarde.
-Estou com sede e sono.


Rúbia aproximou-se tocando a campainha para chamar os médicos. Após fazer alguns exames rápidos e checar os reflexos da jornalista, os médicos a tranquilizaram informando-a que em breve receberia alta. Simone não encarou essa noticia com bons olhos e não passou despercebido aos olhos da morena espanhola.


-O que houve?
-Terei que ficar na casa de Antonio ou contratar alguém para me ajudar por enquanto.
-E sua família? Tu madre?
-Há muito não tenho noticias. Desde que sai, ou melhor, fui expulsa da casa deles. 


Uma lagrima solitária desceu pelo seu rosto sendo interrompida em seu trajeto por dedos longos e delicados. Ficou um tempo acariciando seu rosto. A repórter manteve os olhos fechados para absorver melhor aquela caricia. A voz branda de Rúbia se fez ouvir.


-Yo posso ajudar-te. Estou sem previsão de retorno ao meu país e posso te auxiliar em casa com os curativos e afazeres. - Simone abriu os olhos e um lindo sorriso como resposta a proposta ofertada.


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Milena havia terminado de conversar com o advogado e prestariam queixa contra o pastor e seus fieis. Lucimara já havia terminado de preparar os pratos das oferendas para os orixás do jovem rapaz que se iniciava e começaria os ritos finais.

Durante toda a obrigação Lucimara foi auxiliada por suas filhas fazendo assim com que elas exercessem suas funções. Ao finalizar as cantigas e rezas entoadas ouviram-se os atabaques reverenciando a todos os orixás e após iniciou-se o Aguere *

A cada volta dada pela Iyalorixá em torno da pilastra onde ficava alguns objetos ritualísticos filhos e filhas de santo incorporavam seus respectivos orixás e continuava os passos daquela dança sem letras. Sem parar de balançar seu Adjá convocando outros orixás a participarem daquela festa pelo nascimento de mais um filho, Lucimara cantou.


Siré, siré (Festa, festa)
Odè ma ta òrè òrè
(O caçador sempre confraterniza com os amigos)
Siré, siré
(festa, festa)
Já bè lè okè ílò rò odè ma ta àgo lóna
(Com sua licença cantamos e pedimos que confraternize conosco e que sua paz nos alcance)


Homens e mulheres, altos, baixos, gordos, magros, jovens e idosos dançavam naquela grande roda de louvor e agradecimento. Em suas vozes percebia-se a emoção que aquele momento em especial tinha. Lucimara chorava enquanto cantava e dançava. Havia entregado o Adjá para uma das Ekedjís* mais velhas da casa.

A verdadeira festa para o povo do santo não era aquela aberta ao publico onde vestiam suas indumentárias engomadas para fazer bonito, mas sim aquele momento ali. Restrito a poucas pessoas com suas portas fechadas e o coração aberto.

Sentia-se feliz por ver aquele jovem que havia chegado em sua porta implorando ajuda no caminho do bem, lembrou de tantos outros que não tiveram a força de vontade desse rapaz e na primeira dificuldade abandonou sua raiz em busca de outros caminhos. Suas lagrimas misturavam alegrias e tristezas.

Sentiu o tempo parando na mesma medida que seus passos ficavam lentos. O primeiro barra vento*. Continuou a dança com passos resolutos, sua voz embargada pela emoção enquanto saudava o Caçador de Uma Flecha*, o segundo barra vento. Duas ekedjís posicionaram-se perto de Lucimara enquanto a acompanhavam em seus passos. As janelas abertas deixavam entrar uma suave brisa que aos poucos envolvia a todos.

O ápice da emoção para Lucimara foi ao entoar uma reza e ver a incorporação simultânea de suas filhas. A suavidade de Iemanjá nas feições de Milena e o Caçador cismado através das expressões corporais de Dalila.

Sentiu como se as ondas do mar envolvessem suas pernas ao tentar pisar no chão. As vozes se faziam distantes, ouvia-se apenas os atabaques ao longe e o adjá. Sentia uma presença poderosa e inexplicável. Uma vontade de chorar, de por para fora aquela emoção que nem sabia guardar em seu peito.

No barracão se fez ouvir um sibilar. Um canto doce de mãe. A matriarca e fundadora daquele axé, a Mãe de Todos* se fazia presente para também louvar mais um Omo orixá*. Ao fundo se ouvia as vozes dos poucos que permaneceram acordados.

-Odoya! (Ó doce mãe.)


O estouro dos fogos de artifício de uma festa nos arredores abrilhantou ainda mais aquele momento de raridade. Há certo tempo a mãe da casa não incorporava e diante de tamanha emoção a Senhora das Águas Doces e Salgadas materializou-se. 



Minidicionário

Aguere - toque para o orixá Oxossi;
Ekedji - cargo de algumas mulheres que não incorporam no candomble e são responsaveis por zelar pelos orixás;
Barra vento - sensação causada antes da incorporação;
Caçador de Uma Flecha - trecho de uma lenda relacionada a Oxossi;
Mãe de Todos - um dos titulos dados a Iemanjá;
Omo orixá - Filho de Orixá(povo do santo)

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