Nossa Forma de Amar - Capitulo XXXIX


39 – “-Bata os Chifres Um Contra o Outro e Ela Virá.”


Trecho de um Itan (lenda) sobre a Mulher Búfalo (Oyá) e seus filhos.


O período de duração da cirurgia de Simone foram uma hora e meia. A transfusão bem sucedida e a cirurgia como todo foi um sucesso. As primeiras horas seriam de observação do quadro dela e se melhorasse ela seria transferida para o quarto podendo receber visitas.

Essas foram às palavras do médico que realizou a incisão. Antonio mostrava em seu semblante cansaço e alivio enquanto o ouvia. Rúbia ficou visivelmente feliz pelas noticias e após o medico insistir ambos foram para suas acomodações. Antonio deixou-a na pousada onde ela hospedava-se com frequência.


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Lentamente e com certo incomodo, Simone tentava abrir os olhos. A claridade incomodava. O pouco que seus olhos conseguiram visualizar deu para perceber que estava em um hospital. A garganta estava seca e sentia que algo impedia sua respiração eficientemente. Tentou erguer o braço esquerdo, mas sentiu um fisgar de dor no lugar onde a estranha mulher cravou a faca. Tentou então com o outro braço.

Coçou os olhos, afastou o tubo de oxigênio que estava em seu nariz. Sentiu um cheiro diferente no ar sendo trazido por uma suave brisa. Alecrim. As luzes começaram a piscar e apagaram-se na medida em que o quarto era preenchido por uma brisa quente.

O barulho da porta se abrindo teve total atenção de Simone que fechara os olhos rapidamente. Uma mulher de pele marrom aparentando ter 1,70 de altura, corpo definido e com algumas cicatrizes de guerra visíveis sem tirar sua beleza. Rosto de traços marcantes e um olhar negro desafiador. Trajada em roupas que pareciam ter sido feitas com a pele de animais de grande porte, uma sandália de couro trançado nos pés.

Nas laterais do corpo alguns assessórios. Um par de chifres de búfalos amarrados em cordas, uma capanga com algumas ervas e uma pequena boneca de pano que sempre andava consigo (Abayomi), uma mochila nas costas onde estava algumas flechas e seu arco, uma faca de médio porte em uma bainha na cintura e um Eruexim (pedaço de bambu coberto com couro contendo em uma de suas extremidades um pouco da crina de um cavalo).

Por cima de um dos ombros a pele do búfalo que perdeu os chifres, uma faixa de couro prendia seu cabelo no centro da cabeça e uma trança descia ate o meio das costas. Em cima de sua cabeça havia uma cabaça cortada da qual saia uma fraca iluminação. Com cuidado a mulher pegou o objeto do alto depositando ao lado do leito.

Ao aproximar-se da jovem, viu vultos enegrecidos. Pegou rapidamente o eruexim e um atorí (cipó ritualístico) o batendo no chão enquanto tangia os espíritos rodando o pedaço de bambu provocando vento. Alguns espíritos tentavam permanecer no quarto, mas seu poderoso grito os amedrontou.

Simone via a tudo que se passava com os olhos semicerrados. O medo falava mais alto do que sua habitual curiosidade. Quando já estava calma, a mulher retirou de sua capanga um pequeno amuleto e colocou no pescoço da jovem. Fez uma pequena caricia em seu rosto, pegou a cabaça no chão mostrando seu interior a jovem. Permaneceu no quarto até que Simone dormisse. Colocou-a de volta em sua cabeça afastando-se do leito e saiu assim como entrou.

Ao acordar na manhã seguinte, a jornalista pensou que tudo que havia acontecido não tivesse passado de um sonho, mas ao passar a mão no pescoço sentiu um cordão ao redor. Levantou a camisola hospitalar e viu uma pequena trouxinha presa em uma das extremidades do cordão.

Antes de tentar formular algo em sua mente, uma enfermeira entrou para aplicar suas medicações e a viu com os olhos abertos. Chamou o medico para examina-la, mas quando o homem chegou à mulher já havia dormido novamente. Antonio e Rúbia assim que chegaram foram informados pelo médico que a jovem acordara e ainda naquele dia seria transferida para um quarto.


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Os pais de Luiza andavam pela recepção a espera de alguma noticia. Quando a jovem chegou no hospital já havia uma equipe médica em uma sala cirúrgica preparada esperando-a. devido a pancada que levou alguns vasos cerebrais romperam-se formando um coagulo, retirado na cirurgia.

Agora precisariam aguardar para ver se havia afetado alguma parte neural importante e se haveria ou não sequelas. Apenas uma pessoa poderia dormir com a jovem e a mãe prontamente ofereceu-se.
O pastor ao sair do hospital andou sem rumo um certo tempo pensando em tudo que aconteceu nos últimos meses e chegou a conclusão de que nada aconteceria se a feiticeira não existisse nem naquela rua, nem em sua vida. Seguiu para a igreja, faria uma convocação a seus fieis e congregações amigas.


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Lucimara e Milena chegaram no terreiro cansadas. Milena trancou-se no quarto enquanto Lucimara conversava com Dalila e contava o que ocorreu.


-E foi isso.
-Nossa! Nunca pensei que a mana fosse perder a calma assim.
-Sua irmã de calma só tem a aparência, Dalila. Milena é como o mar. Em sua grande maioria as ondas são calmas, mas existe a revolta. Aquele pastor ofendeu-a. mas meu medo é pela menina e o que pode ter acontecido.
-Será que foi tentativa de assalto, mãe?
-Não sei, filha. Vou para o banho.


Após tomar um banho para tirar o cheiro de hospital, Milena permanecia deitada em sua cama. Lia e relia as mensagens trocadas entre ela e sua amada. Rememorava conversas, momentos de amor. As lagrimas vertiam dos seus olhos enquanto perguntava-se o que havia acontecido.

Queria poder está ao lado dela nesse momento, mas dificilmente o pastor permitiria. Teria de contentar-se em saber noticias através de Estela. Ligou a TV para tentar distrair-se e no jornal local noticiava que a jornalista e colunista Simone Barros havia sido esfaqueada perto do Mercado Modelo e encontrava-se internada.


-Por mais que ela tenha sido canalha. Não desejo mal a ela.

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