Nossa Forma de Amar - Capitulo XLIX


49 – Colocando os Pontos nos Is

-Não viemos pelo seu dinheiro. – começou a falar a senhora.
-Até porque não esbanjo. – Simone pontuou enquanto terminava seu café.
-Viemos nos despedir.

Na testa de Simone estampava interrogações assim como em sua fisionomia. Após um momento Janice prosseguiu.

-Estamos velhos. Nosso tempo de vida esta no fim e não podíamos morrer sem te pedir perdão. Seus irmãos nos lembraram que ainda somos uma família querendo ou não e por mais que não aprovamos a vida que você leva, não queríamos morrer sem pelo menos pedir perdão e dizer que durante todo esse tempo nós não deixamos de te amar. – os olhos dos pais marejavam. – Vamos embora após o almoço.

Simone os olhava e não reconhecia aquele casal que a anos deixou na cidade de Barreiras. O olhar que lhe era lançado ali não deixava duvidas sobre a sinceridade do casal ao pedir-lhe perdão. Nos traços, a marca dos anos de sofrimento e amargura.

Mas em seu coração a ferida que parecia haver cicatrizado reabriu com a chegada inesperada e a cada palavra trocada sentia doer como se remexessem em sua carne. Ficou imersa em pensamentos, lembranças e conjecturas que não viu quando o casal levantou-se tampouco viu Rúbia sentar em sua frente. Saiu do transe quando chegou a suas narinas o perfume da espanhola.

-Estavas longe. – Rúbia disse com um sorriso confortável.
-Lembranças. – Simone se remexeu na cadeira antes de perguntar. – Você já se decepcionou com alguém de uma forma tão profunda ao ponto de pensar nunca mais ser capaz de perdoar?
-Sí.
-E o que você fez?
-No concedi lo perdon.
-Não?
-No. Somos humanos e falhos. Sou espírita, si. Mas não quer dizer que eu deva perdonar a todos por causa de um dogma. O perdon vem de dentro do corazon. Quando não mais sentiste essa ferida aberta, quando dizer “eu te perdoo” for uma necessidade gritante em tu alma terás deixado as magoas para trás e enfim libertar aqueles que a machucaram.
-Como?
-Perdoando. “Errar é humano, perdoar é divino.”

Disse saindo e deixando a jornalista novamente imersa em seus pensamentos. Esta por fim decidiu preparar o almoço já que seus pais iriam embora logo após o mesmo. Abriu a dispensa e pensou no que poderia preparar. Decidiu por fim fazer uma salada de feijão fradinho, arroz e carne grelhada já que não gostava de comer gordura.

Cerca de quarenta minutos depois o cheiro do seu tempero exalava pela casa. Um dos seus momentos favoritos quando criança era observar sua mãe na cozinha e como boa observadora aprendia o que fazer e como fazer sem muito esforço.

Ao passo em que se desenrolava na cozinha começou a cantarolar uma melodia que se lembrava de ter escutado na trilha sonora de uma serie mexicana que gostava de assistir antigamente sem perceber que havia uma plateia especial.

- Contigo aprendi que existen nuevas y mejores emociones, contigo aprendi a conocer um mundo lleno de ilusiones. Aprendi que La semana...
-... tiene más de siete dias. Hacer mayores mis contadas alegrias y a ser dichoso, yo contigo lo aprendi....

Os sorrisos que pairavam nos rostos transpareciam sensações. Logo Simone sentiu o cheiro da carne e correu para o fogão. Não queria queimar o almoço justo no dia que teria visitas. Rúbia sorriu ao ver a falta de desenvoltura da outra.

As jovens imersas em suas áureas de encantamento não perceberam uma terceira espectadora que com olhos e sentidos aguçados com o avançar da idade sentiu no ar o romance velado que surgia ali. Não tinha o direito de dizer se era errado ou não. Já havia estragado a vida de sua filha o suficiente e já não sabia mais se haveria conserto. Colocou a mala na porta da sala e se encaminhou para o quarto a fim de despertar o marido que tirou um cochilo devido aos remédios fortes que tomava.

O almoço foi silencioso, porem confortável. Sem apreensões e ansiedade, apenas um almoço “quase” em família. Instantes depois, Janice e Antero já estavam em frente a porta esperando o elevador chegar ao andar. Antes de entrarem Janice disse a filha.

-Sei que nenhuma palavra irá superar os anos de afastamento, mas desejo que você seja feliz e um dia nos perdoe. Erramos tentando acertar.

Antes que as portas do elevador fechassem Simone tinha corrido para seu quarto e desabara na cama em um choro sentido. Toda a dor, mágoa, ressentimento estavam sendo extravasados. Rúbia a olhou e decidiu ir dar uma volta pelas ruas do bairro. A jornalista precisava ficar só com seus fantasmas.

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-Sua filha á pode receber alta. – dizia o médico que havia feito todos os exames em Luiza.
-Graças ao Senhor. – sua mãe falava alegre.

Assim que o médico saiu José entrou meio desconfiado. Pensou que sua mulher tivesse contado o que ocorreu durante esse período. Luiza ao ver o pai franziu o cenho na medida em que o interpelava.

-O que faz aqui?
-Vim te ver.
-Não o quero aqui.
-Filha, deixa seu pai falar. Vocês precisam conversar. – Maria interviu olhando o homem. – Ele precisa lhe contar algumas coisas.

Saiu deixando-os a sós. Com passos incertos o homem aproximou-se da cama sentando em uma cadeira. Olhando para um ponto no chão começou a falar enquanto Luiza o olhava atentamente.

-Eu sempre tive problemas com bebida, você nunca soube. Mas quando foi embora estudar depois daquela briga eu bebi muito, fiz besteira e prometi não mais colocar álcool em minha boca. E estava cumprindo até o congresso. Depois de um dia cansativo eu e alguns pastores fomos a um evento organizado para nós. Lá conheci uma moça que os outros pastores desejavam, contestei a todos pelo que diziam e faziam sem as esposas ao lado. Sai da mesa e fui pro balcão. Virei à primeira de muitas doses e acordei no quarto do hotel com uma dor de cabeça muito forte, a moça nua, em cima de mim e uma mancha de sangue no lençol. Ela jurou manter aquele erro em sigilo, mas meses depois me procurou. Ela estava esperando um filho meu. Tive medo, pois sua mãe nunca me perdoaria. Dei toda assistência para essa criança durante esses anos até que recentemente ele se machucou e precisei ir vê-lo. Eu pensei que estava tudo certo, sua mãe não desconfiava. Eu tava errado. Camélia sempre me escreveu falando do crescimento do Samuel e guardo essas cartas até hoje, só não sabia que sua mãe também tinha lido e descoberto que alem de você tenho outro filho. Um menino assim como aquele que ela perdeu e que dei o mesmo nome que daria ao nosso filho se tivesse nascido.

Luiza olhava para o homem sem reação. Aquele mundo de informações despejadas em cima dela sem nenhuma preparação ou ideia do que viria a seguir. Pensou nos sermões, nas lições de moral e bons costumes. Hipocrisias. Seu pai posava de bom pastor e tinha os pés sujos de lama.

-Sei que não pode me perdoar por todas as ofensas, mas gostaria que ficasse em casa pelo menos o tempo em que se recupera. É o que sua mãe gostaria.
-Eu vou por ela. Só por ela. Não quero precisar ficar vendo o senhor.
-Tudo bem. Vou chamar sua mãe para te ajudar.

Saiu do quarto e chamou a esposa. Cerca de dez minutos depois eles se dirigiam para a casa do pastor. Moises olhava a chegada escondido atrás de uma pilastra. Certamente a jovem não deveria ter revelado a seus pais sua tentativa. Saiu antes que dessem por sua falta.

Assim que chegou em seu quarto, Luiza enviou uma mensagem via tablet para Milena contando que passaria poucos dias na casa dos pais a pedido da mãe. A namorada logo quis vê-la, mas teria de ser quando seu pai não estivesse. Não queria que sua namorada fosse destratada.

Os dias se passaram virando semanas. A cada dois dias Milena com ajuda de dona Maria ia visitar sua amada. Moises ainda não havia ido até a casa do pastor, mas estava sempre a espreita olhando a movimentação da casa. Cada vez que via Milena seu olhar mudava para ódio.

Em um final de semana resolveu visitar a jovem. Luiza estava na sala ajudando a mãe quando a campainha tocou, foi abrir a porta. Ao ver Moises ali parado seu coração começou a acelerar e uma sensação ruim apoderou-se de seu corpo. O homem tentou aproximar-se para tocá-la, mas a jovem instintivamente deu passos para trás. Jose apareceu e logo tratou de recepcionar o homem. Foram conversar no escritório, mas Luiza não se sentia bem. A cabeça doía e decidiu ir deitar-se.

Vultos, vozes, uma gargalhada diabólica, mãos alisando seu corpo. Estava presa. Não conseguia soltar-se. Via Milena sorrindo, tentava chamá-la e não conseguia se fazer ser ouvida. De repente uma pancada em sua cabeça e um grito.

Luiza acorda transpirando assustada. Sua mãe entrava no quarto perguntando o que ocorreu. A jovem nada conseguia dizer. Aquele pesadelo. Horrível. Mal-estar, medo, apreensão. Passou a sentir uma mistura de sentimentos conseguindo dormir apenas quando o dia clareou. Contou a Milena por telefone e pensou em quando começou a sentir-se assim. Após certa visita.

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